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Grande Entrevista com: ANTÓNIO MARINHO E PINTO

“A política é hoje dominada por oportunistas e carreiristas que põe sempre os seus interesses egoístas à frente”

Texto: André Rubim Rangel

Este ano completará 75 anos de vida. Olhando para o passado, do que mais se vangloria nele? E o que menos o alegre ter feito ou vivido?

Aquilo de que mais me orgulho nestes 75 anos de vida é, precisamente, ter vivido esses anos todos; e tê-los vivido com um mínimo de lucidez para compreender a maioria dos acontecimentos importantes que ocorreram nesse período. Outro aspeto de que me orgulho muito é o de nunca ter feito o que não queria. Nem sempre fiz o que queria, mas nunca fiz o que não desejava. Essa determinação trouxe-me muitos dissabores e prejuízos, mas não me arrependo. Como diz um velho provérbio, «só os peixes mortos são levados pela corrente do rio».

 

Nos últimos anos tem andado mais afastado dos holofotes mediáticos, desde que fundou e presidiu ao PDR. Cansou-se e desgostou-se da política e dos Media? O que se passou?

Na vida há sempre um tempo para tudo. Vivi com entusiasmo o tempo dos ideais e das ilusões. Hoje, desfeitas todas as ilusões da minha vida cívica e política, continuo a viver com a mesma intensidade os grandes ideais que moldaram o meu percurso de vida. Ao fim de 49 anos de trabalho e de mais de meio século de intervenção cívica e política, passei a olhar o mundo mais como espectador do que como ator. E sinto-me bem, muito bem, neste lugar. A atividade política degradou-se e já não atrai as melhores pessoas da nossa sociedade. A política é hoje dominada por oportunistas e carreiristas que põe sempre os seus interesses egoístas à frente dos interesses do povo e do bem comum. Quem vence eleições sente-se com direito ao saque do património e dos recursos públicos. Por outro lado, a comunicação social foi colocada ao serviço das oligarquias dominantes, sobretudo políticas, económicas e financeiras. Os jornalistas foram substituídos por mercenários ao serviço das agências de comunicação que os corrompem. Infelizmente, a agenda mediática é elaborada por agências de comunicação contratadas e pagas pelas várias oligarquias que dominam a nossa vida pública. Tal como em qualquer ditadura, os órgãos de informação portugueses repetem todos a mesmas histórias que só na aparência têm dignidade informativa. Na verdade, não passam de mensagens de propaganda ou publicidade redigidas e apresentadas ao público como se fossem notícias.

 

Pouco antes, foi eurodeputado, um cargo que criticou, embora se mantendo nele. Que outra ideia tinha do que era o Parlamento Europeu, antes de ir para lá?

Eu nunca critiquei o cargo (a função) de deputado, mas sim o funcionamento do próprio Parlamento Europeu (PE). A forma como o PE funcionava (e continua a funcionar) transformou-o numa inutilidade política. Denunciei esse logro e, juntamente, com alguns (poucos) deputados de outros países tentei criar condições para reformas que tornariam o PE naquilo que ele nunca tinha sido, ou seja, um verdadeiro Parlamento. Um Parlamento que fiscalizasse o governo da União Europeia, um Parlamento que tivesse a possibilidade de definir a sua própria agenda legislativa, ou seja, onde os deputados pudessem apresentar propostas legislativas e não ficassem dependentes das propostas de outros órgãos. Um Parlamento em que as remunerações dos deputados não fossem tão escandalosas e não estivessem dependentes dos humores de funcionários administrativos. Um Parlamento que pudesse escolher a localização da sua sede e os deputados não fossem obrigados (sim, obrigados) a deslocar-se todos os meses, com armas e bagagens, para outro país, a fim de satisfazer os caprichos egoístas desse país. Um Parlamento que reunisse todos os dias em sessão plenária e não apenas uma vez por mês. Um Parlamento em que as votações fossem precedidas de debates livres abertos à participação de todos os deputados e não apenas de alguns escolhidos a dedo. Um Parlamento onde as votações não fossem concentradas numa única sessão plenária mensal e em que, por vezes, se efetuavam milhares de votações (algumas vezes mais de 1.500 em pouco mais de uma hora) sem que a maioria dos deputados identificassem sequer o assunto dessas votações, já que as mesmas eram referenciadas apenas por um número. Não consegui alterar nada disso, mas tentei e sobretudo denunciei publicamente esses vícios. Enfim, agi de acordo com a minha consciência e não segundo as conveniências. O que então disse ficou dito. Uma visão muito clara do que é, hoje, o Parlamento Europeu está na obediência canina com que os seus deputados aceitaram ser impedidos de discutir a maior despesa de toda a história da União Europeia. Na verdade, a Comissão Europeia (cujos membros não são eleitos), decidiu gastar em despesas militares, nos próximos anos, mais de 800 mil milhões de euros dos contribuintes europeus, sem que os deputados do Parlamento Europeu, ou seja, os representantes desses contribuintes, eleitos por eles, possam pronunciar-se sobre essa despesa. Um órgão não eleito da UE impede os membros eleitos do PE de discutir matérias que deveriam ser da sua exclusiva competência. E o motivo apresentado pela Comissão Europeia – a urgência dessa despesa – constitui um insulto à inteligência dos deputados e dos povos da União Europeia. Para a Comissão Europeia, uma despesa que vai realizar-se ao longo de anos não pode ser discutido no Parlamento Europeu durante algumas semanas, devido à sua urgência!!! Que Deus nos livre desses dirigentes porque, está visto, os povos não são capazes de o fazer.

Desde 2019, em que se retirou da vida pública, como tem sido a sua vida, as suas reflexões, rotinas, ambições, etc.?

Como disse atrás, hoje sou um espectador e estou muito satisfeito com esse estatuto. Observo o espetáculo a partir da plateia e não do palco, o que é muito mais saudável e muito mais divertido. Agora faço o que quero às horas que quero e sobra-me sempre tempo. Dantes andava sempre a correr de um lado para o outro, sempre sem tempo para fazer o que tinha de ser feito. Agora tenho todo o tempo do universo para fazer o que quero e até para não fazer rigorosamente nada. Uma das minhas grandes dificuldades, quando me reformei, resultava de não saber o que fazer com todo esse tempo que, de repente, desabou sobre mim. Tive que aprender a nadar nesse tempo e hoje desloco-me nele como um peixe na água.

É conhecido por ter sido controverso em afirmações de outrora. Sente que esse facto lhe possa ter gerado muitos dissabores e cortes nas relações humanas?

Numa sociedade cujos alicerces políticos e morais assentam na mentira e na manipulação, afirmar a verdade traz sempre dissabores e obriga a ruturas. Por isso, temos sempre de nos interpelarmos e decidir, em cada momento, se vale a pena. Essa decisão exige ponderações de natureza moral, cívica e política. A cada decisão subjaz sempre uma opção radical: ou nadamos contra a corrente ou nos deixamos levar por ela. Eu nadei sempre contra a corrente do engano e da mentira e, sobretudo, contra a viscosidade dos silêncios cobardes. Ao fim de quase três quartos de século de vida ainda não me arrependi. Como disse atrás, perdi todas as ilusões, mas não perdi nenhum dos grandes ideais por que me bati ao longo da vida. A título de esclarecimento, sempre direi que a controvérsia não estava tanto em mim – não era eu quem, na realidade, era controverso – mas sim as verdades que eu arremessava à cara daqueles que tentavam escondê-las. Sempre entendi que em política e no jornalismo as piores mentiras são feitas de silêncios. Por isso não fiquei calado.

Um desses cortes foi com o seu pai, ao longo de 15 anos. Sabendo o que sabe hoje, arrepende-se disso ou voltaria a repetir essa mesma carta que lhe escreveu?

Essa questão é de natureza familiar sobre a qual direi apenas isto: sempre amei os meus pais e eles sempre me amaram muito. Tenho em relação a eles uma dívida de gratidão infinita que não consegui saldar enquanto foram vivos e muito menos o poderei fazer agora. Resta-me apenas honrar a sua memória e seguir, como princípio irredutível de vida, a força inquebrantável da sua exemplaridade.

O que o levou a que, logo após licenciar-se em Direito, seguisse a carreira jornalística e não a advocacia?

Eu não comecei a carreira jornalística quando me licenciei. Iniciei-a muito antes e, por ela, até tinha renunciado à licenciatura. Porém, quando me apercebi de que, em Portugal, o jornalismo não passava de um labirinto de mentiras e de torpezas, então decidi concluir o curso de Direito e, de imediato, fiz o estágio de advocacia e iniciei a carreira de advogado cumulativamente com a de jornalista. Ser advogado permitiu-me exercer o jornalismo com mais independência e ser jornalista possibilitou-me exercer a advocacia com mais dignidade.

Entre outros meios, foi muitos anos redator do Expresso. Que análise atual faz da Imprensa de referência, se ainda a há, das redações e de tudo o que está por detrás e que, porventura, porá em causa o bom jornalismo?...

Hoje não há órgãos informativos de referência, mas sim de reverência. Praticamente, todos os órgãos de informação são reverenciais em relação às oligarquias, políticas, económicas, financeiras e desportivas que dominam o espaço público. Basta ver como todos «noticiam» as posições dos dirigentes políticos, dos partidos, dos clubes de futebol ou das corporações financeiras. Só um exemplo: Pouco antes de o Grupo Espírito Santo ruir como um castelo de cartas praticamente todos os órgãos de informação e dirigentes políticos (incluindo o então Presidente da República) garantiam que esse grupo financeiro estava saudável. Mais de duas dezenas de jornalistas acabavam de fazer um cruzeiro de vários dias no iate de Ricardo Salgado. Sem comentários!!!...

Orgulha-se do seu percurso político e das nuances ideológicas que o mesmo foi atravessando? Face ao corrente panorama partidário, a sua visão atual situa-se mais em que ala?

Hoje vivo com a consciência tranquila acerca daquilo que fiz e não fiz ao longo da minha vida. Cometi alguns erros, mas só não erra quem não faz ou não tenta fazer coisas. Porém, nunca cometi o mesmo erro duas vezes. Sempre aprendi com os meus erros e, dada a minha profissão de advogado, também com os erros dos outros. A minha posição em relação ao panorama partidário é a mesma de sempre. Todos os partidos têm coisas boas e más, alguns mais do que outros. Não pertenço a nenhum partido e, depois do que aprendi quando fui dirigente do PDR, posso garantir que jamais pertencerei a qualquer partido político português. Simplesmente, em Portugal, as coisas más superam de longe as boas.

Foi presidente da Comissão dos DH da OA. Com tanto que se fala e alerta sobre os direitos humanos no mundo, por que são constantemente violados? Como travar isso?

Fui presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados há mais de vinte anos e nessa qualidade apontei três das áreas em que os direitos fundamentais eram mais violados: os imigrantes, as prisões e a violência doméstica. Infelizmente, tudo o que disse na altura continua hoje atual. Os imigrantes continuam a ser vilmente explorados por empresários sem escrúpulos, muitas vezes com a cumplicidade do poder político e o silêncio de todos os que os que não deviam estar calados. As prisões portuguesas continuam a ser uma espécie de terra de ninguém, onde os despachos e as ordens dos seus funcionários continuam a prevalecer sobre a lei geral e as normas constitucionais. Quanto à violência doméstica, que eu prefiro chamar de violência familiar, o panorama hoje não está muito diferente do que eu então denunciei. As três dimensões onde a violência familiar mais se evidenciava eram na violência sobre as mulheres, sobre as crianças e sobre os idosos. Atualmente, a violência sobre as mulheres, apesar de continuar a existir foi bastante atenuada devido à crescente influência pública da voz das mulheres. Mas aqueles que não têm voz, como as crianças e os idosos, continuam a ser alvo das mesmas formas de violência que havia há vinte anos. Todos fingem que essa violência não existe porque ninguém as denuncia ou porque os que o fazem continuam a não ser escutados. O panorama dos direitos humanos em Portugal devia envergonhar-nos a todos. 

Depois, foi Bastonário da Ordem dos Advogados por dois mandatos. A advocacia, a Justiça e os juízes vão no bom caminho? E os processos – sejam mega ou não – que demoram imenso a ser julgados / resolvidos?

A justiça portuguesa está hoje pior, muito pior, do que estava quando eu fui bastonário. Durante os seis anos em que exerci essa função mostrei e justifiquei que os responsáveis pela degradação do sistema de justiça eram os magistrados, sobretudo os juízes. Hoje, mercê de uma profunda indiferença cívica, de um escandaloso oportunismo político e de um vergonhoso servilismo da generalidade da comunicação social em relação aos magistrados, querem fazer-nos acreditar que a causa da degenerescência da justiça portuguesa está nos advogados que patrocinam os cidadãos que têm de ir a tribunal. Repare: um cidadão é condenado em tribunal. Esse cidadão acha que está inocente ou que a pena é exagerada e pede ao seu advogado para recorrer. Este tem duas ou três semanas para elaborar o recurso e apresenta-o, dentro desse curtíssimo prazo, em tribunal. Porém, o tribunal demora muitos meses ou anos a decidir o recurso. Então, logo os representantes dos magistrados, com a cumplicidade do jornalismo servilista e o silêncio covarde dos políticos, culpam não os juízes que demoram tanto tempo a decidir o recurso, mas os advogados que interpuseram o recurso, classificando-o como uma «manobra dilatória». E esta indignidade continua a alastrar-se com a cumplicidade de muitos e a indiferença de todos.

Sendo este jornal de Gondomar, pergunto-lhe o que conhece desta cidade e como a caracteriza? E/ou a sua gente…

Conheço Gondomar como uma cidade da periferia do Porto, famosa pela qualidade profissional dos seus ourives e pela excelência da sua ourivesaria. Conheço-a também devido à ação do Major Valentim Loureiro, enquanto presidente da Câmara de Gondomar, figura muito controversa por ter tido a coragem de dizer muitas verdades incómodas e não as mandar dizer por outrem. Havia ainda histórias na minha juventude, segundo as quais, Camilo Castelo Branco, esse magricela que correu o país atrás de mulheres e de boa comida, ia frequentemente banquetear-se com sável em tabernas situadas nas margens do Rio Douro, em Gondomar. Não sei se isso é verdade ou não, mas sei que eu próprio fui algumas vezes com amigos de Coimbra, comer lampreia e sável num pequeno restaurante de Gondomar situado, justamente, junto ao Rio Douro. 

Que comentário faz à política nacional e ao facto de em quatro anos irmos para as terceiras eleições legislativas, apesar da estabilidade que se fazia sentir?

A frequência das eleições responde mais à necessidade de satisfazer a voracidade das clientelas partidárias pelos recursos públicos do que aos interesses do país. Os partidos políticos transformaram-se em máquinas de propaganda destinadas a ganhar eleições e distribuir cargos e dinheiro públicos pelas suas clientelas incompetentes, parasitárias e corruptas. A promiscuidade entre o público e o privado, cada vez mais descarada, está a conduzir o país para a ruína. Todos vivem de dinheiro emprestado – o estado, as empresas, as famílias. Milhares de pessoas terão de trabalhar vinte ou trinta anos para pagar o que já gastaram. O Estado faz despesas que serão pagas com os impostos que irão ser cobrados a pessoas que ainda não nasceram. Como na alegoria da «Dança Macabra», parece que continuamos todos a caminhar, dançando e cantando, em direção ao túmulo.

Num futuro próximo, ou mais distante, tem algum sonho e projeto que queira concretizar? 

Já não sonho.

Que mensagem final de esperança, aquela que sempre lhe inspirou e sossegou em tempos difíceis, pode deixar aos nossos leitores?

A história não põe aos povos problemas que estes não possam resolver. Vivemos um tempo em que tudo, mas mesmo tudo, se compra e vende no grande mercado das indignidades. Voltou-se a adorar os bezerros de ouro. Acredito que uma nova geração de homens e mulheres, que não se acomodará nos benefícios do conformismo, irá com certeza surgir e resgatar Portugal e a Europa dos pântanos em que se encontram. 

 

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