A Gondomar Social, sediada em Baguim do Monte, em Outubro do ano passado, estabeleceu um protocolo fruto de uma nova medida de promoção e proteção temporária de crianças e jovens em perigo, que é o Acolhimento Familiar temporário. Esta medida é apenas aplicada pelo tribunal ou pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) e visa o acolhimento de uma criança/jovem que por algum motivo a sua família biológica não é capaz de mantê-la em segurança. A família de acolhimento temporário tem como objetivo proporcionar à criança ou jovem os cuidados adequados às suas necessidades e bem-estar, como a educação, saúde, segurança e bens necessários para o seu desenvolvimento. Neste âmbito Susana e Filipe Gonçalves acolheram uma criança em situação de risco, que já coabita com eles desde Novembro de 2023. O VivaCidade foi perceber como está a ser este processo, volvido 1 ano da sua envolvência no mesmo.
Há um ano falávamos da possibilidade de acolherem uma criança para ter acesso a um lar. Esse momento chegou. Como é que correu?
Aquele início e aquela ansiedade toda de termos muito para dar. A expectativa de ter muito para dar e o que é que vou receber do outro lado, o que é que eu vou encontrar? o que é que traz? Passamos dessa fase de ansiedade para a fase do medo. Ao início não foi fácil. Porque ele foi retirado à família e depois foi para uma instituição e agora está connosco. Ele está ciente de tudo, do que se passa, do que nós somos para ele, do que poderá acontecer no futuro.
Como foi no início?
Não foi fácil. Ele veio com uma bagagem enorme de reagir com muita violência às coisas. Era mesmo muito agressivo para nós. Nós tivemos um apoio excelente da Gondomar Social, principalmente da Susana, no sentido em que quando tínhamos um momento de tensão tínhamos de conter o menino. Agarrá-lo senão ele partia tudo e batia-nos, íamos para o quarto fazer isso para que as nossas filhas não assistissem a isso, acabaram por assistir a algumas coisas, mas ajudaram sempre. Reagia assim quando era contrariado, o não para ele é um bocado complicado. Quando ele chegou foi um grande impacto.
Chegaram a pensar que “não era isto que queriam”?
Susana Gonçalves: Eu não.
Filipe Gonçalves: Cheguei, porque já tinha tido contacto com este mundo profissionalmente. Nunca me passou pela cabeça as minhas filhas assistirem a episódios que acabaram por assistir. A minha preocupação foi sempre as minhas filhas. Porque ele atirava carrinhos à minha esposa, tudo o que viesse à mão, ele atirava-lhe. Eu pensava até que ponto tenho de sujeitar as minhas filhas a isto? Mas no que toca a entregá-lo ou a desistir deste processo, nunca pensei nisso.
Agora ele tem noção que bater é errado e tem noção que aqui em casa não é assim. Foi um processo difícil, mas conseguimos ultrapassar rápido. Nós ficamos impressionados. Achamos que ao início nos pôs à prova.
Como é que funcionam as visitas? Ele tem contacto com a família?
Quando uma criança é retirada à família ela mantém contacto. Por isso ele, para além de um irmão, que está na mesma instituição onde ele estava, tem, também, uma irmã em Lisboa. Ele frequentemente faz videochamadas com eles. Agora nas férias nós vamos tentar provocar uma visita presencial com o irmão, estamos a ver se é possível. Com a mãe numa semana é através de vídeo chamada e noutra semana é presencial. Nós levamo-lo a um ponto de encontro neutro e depois vamos buscar.
Quando é o dia da visita notam que ele vai entusiasmado?
Ao início ele ia bem e entusiasmado, queria ver se a mãe dele estava bem. Mas até as próprias técnicas diziam que era um misto de sentimentos, porque ele ia muito entusiasmado e depois a visita corria muito bem. Ou seja, quando era para ir embora não havia o choro de despedida ele vinha embora sem problema nenhum. Neste momento como está bem integrado na nossa família, já diz que não quer ir, ou que vai, mas que não quer ficar lá, que quer ficar connosco.
A nível de responsabilidades médicas, escolares, dos bens necessários, a Gondomar Social também vos apoia?
As consultas e algumas coisas somos nós que pagamos, a Gondomar social só intervêm nas questões psicológicas na família. Porque de resto é tudo pago por nós e é opção nossa, nós podemos não dar continuidade ao acompanhamento que estava a ser feito antes de vir para nossa casa. Mas neste caso em concreto demos e achamos que é muito pertinente alguns acompanhamentos que tem.
As vossas filhas andam na escola e têm amigos, que desde sempre souberam que eram só elas as duas. Como é que reagiram ao facto de agora terem um novo membro na família?
A mais nova apresentou como um “novo irmão”. Ele quando ia levá-la a escola e tudo ela apresentou a toda a gente. A irmã mais velha fica no comando quando não estamos cá, é um grande apoio, e o menino respeita-a e quer sempre mostrar-lhe tudo. Não a queremos sobrecarregar, mas é um grande apoio. Elas adaptaram-se muito bem.
Têm receio que haja o dia de ele ir embora?
Sim, mas tudo isso vai ser preparado. Não é uma coisa que acontece repentinamente. Nós entramos no projeto no sentido de ajudar no momento difícil da vida das crianças. Nós sabemos que isto não é para futuro, mas para as meninas já é mais difícil, porque já há uma ligação muito forte entre eles.
Qual é o balanço que fazem?
É muito positivo. É um positivo enorme (risos).
Há algum apelo que queiram fazer?
Gostava que as pessoas se informassem mais sobre isto e participassem mais nisto. Até as pessoas lançam boatos porque não estão informados. Gostava de apelar a que as pessoas se informassem, isto é bom, foi bom para nós e para as nossas filhas, e é um trabalho humano.