É luso-americano desde 2002 mas vive no Porto há mais de 20 anos. Best-seller em 11 países de obras como “Goa ou o Guardião da Aurora”, “A Sétima Porta”, “O Último Cabalista de Lisboa”, Richard Zimler já foi galardoado com vários prémios literários. Jornalista, escritor e professor, Zimler é natural de Nova Iorque e apresentou a sua mais recente obra intitulada de ‘Sentinela’, a 12 de novembro, na Biblioteca Municipal de Gondomar. O livro, um policial, apresenta “um Portugal contemporâneo, um país traído por uma elite política corrupta, que sofre sob o peso dos seus próprios erros históricos”. O Vivacidade tentou conhecer melhor o autor vencedor do Herodotus Award para o melhor romance histórico e a ‘Sentinela’, o policial de que tanto se fala.
Não escreve desde 2010. Porque o faz agora? O livro demorou-me dois anos e meio a ser feito. Leva-me muito tempo a fazer um romance.
Algum desse seu tempo, passou-o a tentar perceber como é o dia-a-dia da Polícia Judiciária, tendo acompanhado agentes e investigadores. Tentou, através de depoimentos, produzir um livro o mais aproximado possível da realidade? Penso que sim. Essa foi a minha intenção. Quando comecei o projeto, não tinha a mais pequena ideia de como era o trabalho diário de um polícia. Obviamente tinha uma ideia produzida pelos programas televisivos, como por exemplo CSI e outros. Mas suspeitei que o trabalho dos polícias na televisão muito pouco tivesse a ver com a realidade e confirmei isso fazendo entrevistas a dois agentes da Polícia Judiciária.
Porque quis escrever um policial? Quando começo um livro, começo-o com uma ideia ou uma imagem e a ideia inicial para este romance era escrever sobre um policia daí que se transformou num romance policial. O narrador deste livro – Henrique Monroe – tem um transtorno psicológico [transtorno dissociativo de identidade] e comecei o livro com o objetivo de explorar como é que este transtorno afeta a vida dele e da sua família. Quando li sobre esta condição mental surgiu-me logo a ideia de um policia que aproveita este alter ego muito perspicaz e muito sensível para falar das vantagens e desvantagens de ele ter o transtorno.
Então quis tentar mostrar aos leitores uma parte positiva do transtorno? Sim.
[caption id="attachment_2804" align="alignleft" width="300"]
Pela primeira vez quis falar sobre a realidade e não escreveu um romance histórico... Uma vez que surgiu esta ideia de um polícia com este transtorno fazia mais sentido a história ser atual ao invés de criar um romance histórico. Na narrativa o Henrique Monroe [narrador] tem dois filhos, o salário dele foi cortado e ele e a esposa estão muitos preocupados. E por isso, sendo um romance atual, era uma consequência natural da personagem central do livro explorar a crise económica em Portugal neste momento.
A própria escrita deste livro diferencia-se dos seus livros escritos até agora? Eu escrevi este livro na primeira pessoa, por isso tenho que encontrar uma voz e um estilo de escrita apropriado para o narrador. A voz do ‘Último Cabalista de Lisboa’ do século XVI tinha que ser muito diferente da voz de um polícia de Lisboa em 2012, obviamente. Para mim não é propriamente uma decisão artística, é uma decisão de senso comum.
O Henrique Monroe é um português atual? Sim, em parte sim, mas é uma história muito específica e ele é um polícia diferente. Os procedimentos que ele segue no livro são os procedimentos da PJ.
Acabou por utilizar a sua formação como jornalista? Exatamente, era um trabalho jornalístico.
Pretende tornar este livro numa chamada de atenção para Portugal? Eu acho que já estamos acordados. Monroe é estrangeiro e tem uma perspetiva diferente de Portugal e por isso ele podia chegar a conclusões que não são óbvias para os portugueses. Por exemplo, ele chega à conclusão que em Portugal o sistema de filtragem está completamente avariado. O aparelho político deveria rejeitar as pessoas mais egoístas, corruptas e ineficientes, mas em vez disso permite-lhes chegar ao topo. O sistema político devia promover pessoas mais generosas, inteligentes, sensíveis e competentes. Infelizmente essa gente está excluída. As pessoas falam de medidas específicas mas não falam de coisas básicas, como o problema da moral.
E explica como é que se consegue resolver esse problema? Não. Eu não sou político e este livro é um romance. Eu tenho resposta para Monroe, que no livro dá a sua resposta. Mas na minha opinião este problema é responsabilidade de todos nós. Como é que Miguel Relvas conseguiu ser ministro?! Num sistema que funcionasse bem ele teria sido excluído. Obviamente o sistema não está a funcionar.
“Portugal – disse ele, abrindo os braços como se abraçasse o país inteiro – é o país onde as regras não passam de sugestões.” Esta frase, retirada da Sentinela’ traduz o livro, na sua opinião? Na minha opinião, o português é especialista em contornar a lei e em quebrar as regras. Em Portugal é completamente normal ser considerado um espertinho em contornar a lei.
No que diz respeito a Gondomar, é a sua primeira apresentação de um livro? Não, esta é a minha segunda apresentação de um livro em Gondomar. Estive aqui há um ano.
É importante esta interação com o público? Sou um defensor da descentralização e ter bibliotecas em todos os concelhos, para mim é muito importante. Nos Estados Unidos há várias bibliotecas locais. É um recurso maravilhoso para a população.