Olhando para a sua educação de infância e para aquela que se aplica em muitas famílias atuais, que afinidades e/ou disparidades encontra?
No meu tempo era como é. Agora, claro que as crianças são muito mais desenvolvidas. Eu acho até uma maravilha, hoje em dia falar com uma criança de quatro anos. Ela faz raciocínios, ela tem vontade própria e ela decide. No meu tempo as crianças, coitadas, estavam caladas. Eu andei na escola primária, sou filha de um operário. Portanto, era uma menina calada e igual às outras.
Cada tempo tem o seu tempo, mas há algo que encontre do passado que deveria ser útil não se perder e manter agora em termos de educação?
Não sei, porque isso – quanto a mim – depende sempre da educação que os pais dão. Eu tive uma educação muito severa, era a do tempo, era a que lhes dava segurança a eles. É como vejo agora. Eles queriam ter a certeza de que eu estava no caminho certo ou iria ter um caminho certo. Hoje em dia as crianças são mais livres, crescem mais depressa, pensam mais depressa e é-lhes exigido um juízo diferente do meu tempo. Juízo no sentido de pensamento do meu tempo. As crianças, hoje, quase que são obrigatoriamente adultas mais depressa, por defesa, porque o tempo anda depressa e é tudo diferente. Muito diferente. Não são melhores nem piores, mas eu penso que há uma diferença muito grande.
Antes de optar pela representação, incursou em Filologia Românica. De que forma prática tem estado presente na sua vida e ação essa ligação e aprendizagem das línguas neolatinas?
Nenhuma. Devo dizer, sinceramente, que eu cheguei ao terceiro ano. No segundo ano já estava ligada ao teatro e, portanto, se me serviram de alguma coisa foi para o teatro, porque fiz muito teatro nessa altura. Em 1973, porque eu ia estudando e fazendo teatro, estava empregada no ministério da Educação, fiz muitas coisas nessa altura. Durante sete anos a minha vida foi uma confusão, com as horas de trabalho. Tive a sorte de ser compreendida pelas pessoas com quem trabalhava e fui avançando. E esses sete anos permitiram que eu fosse aprendendo teatro, eu estivesse na faculdade a fazer uma ou duas cadeiras, ia fazendo e trabalhava no ministério. Portanto, o meu tempo foi sempre muito ocupado, muito pesado, mas não me queixo disso. Foi tudo ótimo. Talvez não tenha dado tempo suficiente para escolher o que era melhor para mim, mas eu acho que o fiz: o teatro.
Sabendo, duma outra entrevista sua, que os sete anos como funcionária pública traduzem-lhe a infelicidade...
Eu precisava de dinheiro, porque senão não podia ser atriz. Eu não podia deslocar-me se não tivesse dinheiro para ir para o emprego, para ir para o teatro onde trabalhava na altura, para ir para a faculdade. Todas estas coisas fizeram a minha vida e se eu consegui fazer essas três coisas nesses sete anos para alguma coisa isso serviu. Não vejo felicidade, mas também não vejo infelicidade nenhuma. Acho que é uma coisa que agradeço, aos meus pais principalmente, o terem-me ajudado nisso e terem compreendido, numa altura em que ainda se falava muito mal das mulheres que iam para o teatro. Compreenderam que eu estava a trabalhar a sério nas três coisas e que depois isso ia definir a minha vida. Foi isso que aconteceu.
Mas o que é que a faz, realmente, feliz, olhando para tudo e para tanto que há na vida? O que é que para si é sinonimo de felicidade?
A felicidade é o equilíbrio; a felicidade, se calhar, – vou-lhe dizer – não existe; a felicidade é um momento. A felicidade é eu olhar para trás, agora, e dizer: eu fui feliz! Mas, na altura, porventura eu dizia: “Ai, meu Deus, trabalho tanto. Estou cansada”. Eu acho que a felicidade não existe: existe o momento em que se pensa nela. Existe o equilíbrio que a pessoa pode ser capaz de encontrar naquilo que está a fazer e, exatamente, porque gosta, porque quer e porque quer vencer as dificuldades para alcançar aquilo a que se propôs. Então, se eu olho para trás e vejo que consegui isso, eu digo que fui feliz.
Sente-se uma atriz de estatuto maior e até como uma “avó” de tantos novos atores, ao ter entrado na «Vila Faia» (1982), a primeira telenovela portuguesa?
Não me sinto atriz superior, nunca me senti. Vedeta não sou, mas sinto-me bem porque nunca me faltou trabalho, porque tive sempre críticas. As que contam mais para mim, as que considero, são as do público. E tive sempre críticas maravilhosas das pessoas com quem passei o meu dia ou que se cruzam comigo num café, numa rua ou num estabelecimento, de maneira respeitosa. É isso que me equilibra: sentir que o público percebeu o meu tempo todo, percebeu que eu quis fazer uma coisa bem-feita e que eu dei o melhor que podia. E continuo a dar.
Essa que foi a pioneira é sempre especial. Considera que as telenovelas atuais – em termos de realização, argumentação e produção – são melhores do que as primeiras ou nem por isso? Porquê?
Eu penso que sob o ponto de vista da gravação e, talvez, de texto, as últimas / as atuais são melhores. Mas eu não gosto de falar de telenovela porque é assim: eu faço-a para poder ganhar dinheiro. Infelizmente, a maior parte dos atores em Portugal só ganha dinheiro decentemente a fazer telenovela. E, de vez em quando, vejo atores ótimos sempre com trabalhos, também ótimos em teatro, mas vão fazer a sua telenovela e, se calhar, não precisam. Eu precisei de fazer novela, e ainda preciso, para ganhar dinheiro, mais nada. Até porque a telenovela não me diz nada. Absolutamente nada, são historietas para entreter o próximo: isso não é nada, isso não é um trabalho de ator. Agora se me perguntar: eu faço bem o meu trabalho? Eu dou o melhor que posso, lá por ser telenovela não me encosto a isso, só me encosto por uma questão financeira, sou muito sincera.
Além das telenovelas, diz-lhe mais os programas televisivos em que se destacou – tanto em «O Passeio dos Alegres», de Júlio Isidro, como em vários humorísticos do Herman José. Sente saudades desses tempos de eleição do humor em Portugal? Se foi tão bom, como não repetir adaptando à luz do presente?
Isso sim. Isso era diferente. Foi um trabalho que ficou, que fica. É um trabalho que valia a pena, nós sabíamos e gostávamos. Eu gostei imenso de trabalhar com o Herman, o Júlio Isidro, o Nicolau Breyner, o Raúl Solnado, ... Isso era comédia, comédia a sério e onde se aprendia também. Eu aprendi muito nesses programas. Aprendi muito como atriz. Isso foi muito bom e tive essa sorte de ser chamada para muitos desses programas. Também me ajudou a crescer.
A sua veia artística não se fica só pelos 41 programas de televisão de que fez parte, mas também pelos 8 filmes e pelas 8 peças. Identifica-se, do mesmo modo e ao mesmo nível, com o ser atriz de cinema e de teatro?
(risos). As técnicas são diferentes e o pensamento do ator é outro, com certeza. Ambos são muito sérios, aprende-se muito como ator/atriz e dá um prazer enorme. O cinema e o teatro, culturalmente, são coisas superiores que podem fazer pensar o espectador e isso é muito bom! A novela pensa por si própria, a ver se o es- pectador adivinha o que se vai passar. É outra coisa. Para mim, o teatro é o espetáculo por excelência, porque é muito pensado e é direto no público. Tudo isso tem um efeito muito grande, mesmo quando é comédia. Às vezes, a comé- dia no teatro leva-nos a pensar que andamos aqui assim a fazer figuras de parvos (risos). E, portanto, tudo isso é importante.
(risos). As técnicas são diferentes e o pensamento do ator é outro, com certeza. Ambos são muito sérios, aprende-se muito como ator/atriz e dá um prazer enorme. O cinema e o teatro, culturalmente, são coisas superiores que podem fazer pensar o espectador e isso é muito bom! A novela pensa por si própria, a ver se o espectador adivinha o que se vai passar. É outra coisa. Para mim, o teatro é o espetáculo por excelência, porque é muito pensado e é direto no público. Tudo isso tem um efeito muito grande, mesmo quando é comédia. Às vezes, a comédia no teatro leva-nos a pensar que andamos aqui assim a fazer figuras de parvos (risos). E, portanto, tudo isso é importante.
Mas sendo o cinema e o teatro artes superiores, comparativamente às telenovelas que abundam em todos os canais nacionais, por que não há mais nem maior investimento?...
Há mais novelas porque há mais dinheiro aí: qualquer ator quer fazê-la porque é onde ganha mais. A novela dá muito dinheiro a quem a faz. Além do dinheiro, é uma questão de preencher espaços para divertir as pessoas, para as distrair. Certo, com todo o respeito. Agora, em questões culturais temos que fazer uma separação entre o bom cinema e o bom teatro, porque a novela – mesmo que seja boa – é repetitiva, é longa e vai tirando a nossa capacidade de pensar. Digamos que não tem a ver uma coisa com a outra.
Ao pensar no teatro, pensa exatamente em quê nessas oito peças que fez?
Quando faço uma peça de teatro não sei qual é a melhor. Para mim, é aquela que estou a fazer, pois não tenho tempo para pensar em mais nada. A minha preocupação é total! Seja uma peça de teatro, seja quando é um bom filme. Provavelmente, até farei um filme brevemente, mas não vou falar dele: ainda não é público, contudo estou felicíssima por se terem lembrado de mim! Porventura, nem será uma coisa muito séria, é mais para divertir. Porém, é cinema, é diferente.
Ao ter admitido já estar “muito cansada”, por serem 50 anos como atriz – perfaz em 2021 –, onde encontra esse equilíbrio referido para se manter ativa e saudável?
Se quer que lhe diga, nem sei. É evidente que não tenho problema nenhum em trabalhar. Enquanto precisar e se me chamarem, é dinheiro que entra e é dinheiro que eu preciso. O ator em Portugal é muitíssimo mal pago, bastava que eu tivesse nascido em Madrid, aí a coisa já era diferente. Também há outra coisa, que não é só o dinheiro: há um prazer que não é por acaso que ele está dentro de mim e me acompanha há meio século. Marca-me e eu preciso dele enquanto tiver a minha cabeça capaz.
A sua outra paixão tem estado parada: a escrita, sendo o seu 4.o e último livro de 2005. De que modo está a perspetivar este seu regresso e como pretende fazê-lo? Dizendo “não” à inclusão em novas telenovelas, por exemplo?
Talvez. Não tenho sentido capacidade de pegar num texto e avançar com ele. Escrevo contos, normalmente, mas estão ainda muito no princípio. Eu gosto muito, de facto, do conto sob do ponto de vista literário. Acho que são obras especialíssimas quem as consegue. O conto é difícil, acho que mais difícil do que qualquer outro tipo de obra, e agora vou tentando. Vamos ver se ainda tenho tempo de fazer alguma coisa. Pelo menos vou tentando e dá-me muito prazer. Não tenho previsão de quando possa publicar.
A sua primeira obra foi «Silêncio na casa do barulho» (1985). Vê o silêncio como uma peça fulcral na comunicação e no diálogo?
Eu acho que há silêncios que são altamente necessários na vida das pessoas. É preciso fazê-los e sabe-los usar. Ainda bem que há o silêncio: antes que se diga um disparate é melhor ficar calado!
Como fazê-lo vencer aos constantes barulhos que invadem as nossas vidas? Esses ruídos que surgem de várias formas...
(risos) Isso faz parte da vida, faz parte do que a gente aprende ao longo dos anos. Eu por exemplo podia-lhe ter dito: “Não falo com o senhor, não estou capaz, não me apetece”. Era um silêncio, não era uma falta de educação. Por outro lado, sinto que às vezes devo falar e conceder entrevistas; e aí está: acabou o silêncio e estamos aqui a conversar. Cada um de nós tem o seu caminho e o seu pensamento sobre isso.
Sei que a morte a inquieta alguma coisa. Até porque foi, também, mote para o título do seu segundo livro: «Ninguém morre de véspera» (1986)... Como torná-la menos custosa e dolorosa?
A morte é como se nós não tivéssemos o mínimo de poder sobre ela. A morte aceita-se, é o melhor. A morte é o fim natural da vida. Se se começar a pensar assim então há uma coisa que não é eterna, eu sei que vou acabar. Quando for, é. Ao longo da vida posso pensar de maneira distinta: posso ter tido um pensamento há trinta anos que não tenho hoje. E não estou só a falar da morte, estou a falar de vários temas. E isso, acho eu, é o crescimento das pessoas: as opiniões vão variando conforme a sua sabedoria natural e o seu crescimento natural vai acontecendo. Ai de nós se assim não fosse! Eu acho que uma pessoa que vive é exatamente aquela que vai olhando e vai aceitando; vai também renegando e vai vivendo – sob o ponto de vista estrutural – a coisa mais pequenina do seu dia a dia.
Como é lidar, de facto, com ela através de tantos atores e atrizes com quem conviveu / trabalhou, e que vai e foi vendo partir em maior número nos últimos anos?
É doloroso sempre, muito doloroso. Mas isso tanto faz ser atriz como ser mulher-a-dias, ou advogada. Quando uma pessoa parte, e está no nosso coração, é óbvio que provoca dor. E eu já senti até em muitas pessoas com quem trabalhei, muito mesmo, e senti a dor da partida dessas pessoas. Mas quanto a isso não há nada a fazer: é a morte e é a vida, que é assim.
«Um animal desconhecido» (1993) foi o seu terceiro livro. Ao depararmo-nos com tanta humanidade animalesca, ainda há um animal desconhecido em todos nós?
Eu acho que sim, graças a Deus! (risos) Quanto mais não seja por defesa, isto não é fácil! O estar vivo é muito bom, mas as pessoas têm de saber o que é que pisam, o que é que as rodeia, o que é que estão a fazer, para quê: tudo isso são defesas! Ao pensar nisso eu estou a defender-me. Eu quero o melhor: para mim, para os que eu amo e para todos. Não desejo mal a ninguém, tento não fazer mal a quem quer que seja. Portanto, tenho consciência do meu comportamento e do comportamento que os outros têm para comigo. E isso é a vida.
Mas tem mais medo dos animais ou dos homens?
(risos) Tenho, obviamente, muito mais medo dos homens, é lógico. Dos homens, quer dizer, da humanidade, desta que vemos à nossa volta: estamos num tempo bem triste. Não é bem medo, é o viver com o que se está a passar à nossa volta. Há que enfrentar, há que pensar e já que tive opinião, importa fazer qualquer coisa.
E essas pessoas más que teme – tal como o seu último livro, intitulado «Um navio na gaveta» – punha-las num navio para afundar?
Não! O navio na gaveta tem a ver com um amor muito grande que eu tinha, e tenho, pelas pessoas dessa aldeia. Relaciona-se com o facto dessa gente, nesse tempo em que eu fui buscar, vivia com a esperança na gaveta, a esperança de partir, de evoluir sem saberem o que era a evolução. De arranjar uma vida que pudessem suportar a sua família, os seus filhos, os seus pais. No fundo, queriam emigrar, baseia-se nisso. Baseia-se em a pessoa tentar outra coisa melhor, com o sofrimento que isto tudo às vezes traz. Pensei muito nisso porque nas aldeias é assim, saía-se das aldeias e ainda hoje se continua a sair. Se bem que, hoje, normalmente voltam muito bem, com dinheiro, ou não voltam. E ficam lá e são pessoas integradas noutro tipo de sociedade, mas estão bem. No meu tempo, iam lá fora buscar uns tostões e uma vida melhor para depois virem para a sua aldeia. Não era só cavar, não era só ceifar e foi isso que aconteceu: as pessoas, de facto, foram ficando melhores. Repare que no interior há pouca ou nenhuma indústria e há cinquenta ou sessenta anos o que é que havia numa aldeia? Um forno para cozer o pão e que, normalmente, era de todos e uma escola longe... mais nada!
Nesta obra explora igualmente a culturalidade, os costumes, lengalengas e expressões típicas. O que a assusta mais: ver tantos e gigantescos erros de português, ou ver desaparecer tantas dessas tradições antigas?
(risos) O erro é o erro, a tradição antiga era o pensamento perfeito e julgado, talvez, sempre certo da pessoa que falava ou que o punha em conhecimento dos outros. E isso era muito importante. Há que pensar nas coisas: acho que o pensamento é a nossa maior riqueza e temos de aproveitá-lo enquanto a cabecinha dá. Qualquer dia já não dá e, depois, acabou-se... (risos)
Já estamos, aos poucos e de modo geral, a ver-nos livres da pandemia, não da covid. O facto de ter contraído o vírus, mesmo que de forma ligeira, inquieta-lhe todas essas campanhas negacionistas que vão ocorrendo?
Inquieta porque são estúpidas, é a palavra que eu encontro. Porque saber que morreram não sei quantas pessoas com aquela doença e negar isso... Desculpe, mas não perco tempo a falar disso, nem vale a pena estar a falar dessa gente. Não quero saber. É uma falta de respeito para quem sofreu! E não estou a falar de mim, que tive mas não sofri, como bem referiu. Eu nem entendo como é que é possível isso, essa patetice. Enfim, são coisas do tempo.
Isso faz transpor para outras tantas realidades da vida, em que há sempre aqueles do contra, só porque sim, falando e agindo contra algo sem conhecerem e experimentarem esse algo...
E o que é que nós havemos de fazer? Eu pessoalmente não perco tempo com essa gente, prefiro lidar com o povo e o povo sabe sempre qualquer coisa do que esses armados em finos que sabem muito e são uns patetas. Só isso.
Peço-lhe uma mensagem final, positiva, para os nossos leitores. O que lhes apraz dizer, daquilo em que realmente acredita e a faz mover...
Quero dizer que não pensem que a vida é fácil, que é felicidade: pensem que a vida é pensamento positivo, é cuidar da saúde, é amar os outros verdadeiramente, é tentar crescer por dentro da cabecinha. Depois, já sabemos que vamos ser sempre rodeados por coisas que não nos são agradáveis, mas isso faz parte da vida. Há o bem e o mal, e nós estamos ali no meio: depois há que escolher. O que desejo às pessoas é que, sobretudo, velem a sério pela sua saúde – porque neste momento é ainda muito importante – e que amem. O amor cura muita coisa! E tentem sempre crescer por dentro: a ler, por exemplo; a estar atento ao que se passa por aí e a ter opinião própria, mesmo que seja errada. Eu não tenho opiniões certas, tenho as minhas opiniões que eu vou tirando do que vejo e do que sinto. Portanto, há que viver: vivam a vida! Sejam felizes! ■