Na semana passada foi aprovado na generalidade, com a abstenção dos maiores partidos da oposição, o orçamento suplementar que o Governo apresentou à Assembleia da República. Uma iniciativa obrigatória, já que a pandemia impôs gastos suplementares, e uma quebra de receita tão significativa que era necessário reajustar o orçamento em vigor. Portanto, um documento que só serve para reajustar as contas à atual realidade.
Mais do que a normalização formal das contas do Estado, que passam a traduzir um enorme agravamento do défice e da dívida pública, grave é verificar que o país mergulhou a fundo numa crise económica e social dramática. Cerca de 900 mil trabalhadores em layoff. Mais de um milhão e 200 mil pessoas dependentes de subsídios extraordinários. Milhares de empresas de portas fechadas, e muitas centenas a caminho da falência...
Este é o quadro real em que nos encontramos. Mas quem ouve e avalia a propaganda governamental fica com a sensação que a máquina pública vive noutra galáxia. E, na verdade, só o mundo da economia real do setor privado é que sente na pele os efeitos da tragédia.
O funcionalismo público continua na sua bolha protegida, e todos os dias assistimos ao apregoar de milhões para isto, e milhões para aquilo, mas sem que se veja um horizonte seguro. A economia real está a meio gás, e ninguém sabe o que esperar nos próximos e longos meses. Não tenhamos ilusões: sem a camuflagem do layoff, neste momento o desemprego formal estaria já em números aterradores.
Mas há ainda a falsa ilusão de que os apoios de emergência e as linhas de crédito vão salvar o emprego. Nada mais errado. À medida que as torneiras se vão fechando, milhares de pequenas e médias empresas sucumbem.
Nunca o ilusionismo político chegou tão longe, para tentar conter o pânico. Um gigantesco número de pessoas vive entre o desespero e a incerteza do amanhã. Mas a anestesia da propaganda oficial ainda mantém uma parte do país adormecido. Anuncia-se a salvação vinda da europa, quando ainda só existem intenções e planos para uma caminhada de sete anos. A chuva dos milhares de milhões prometidos, se vier, ainda vai tardar muito. Tempo de mais para quem tem fome.
Mas até ao final do ano, é com o nosso dinheirinho que temos de viver. E por isso, o Governo desdobra-se a anunciar grandes planos. Voltamos ao filme do prometido investimento público a jorros para sustentar o consumo interno. É na ferrovia, na fábrica de hidrogénio de Sines, no amianto das escolas, nas infraestruturas de saúde, nos transportes, etc etc.
O cidadão comum ouve este discurso, desconfia e pergunta: para onde vamos?