“Temos de ter mais centrais com o sistema de «black start», que permita o arranque rápido no caso de não haver tensão na rede”
Texto: André Rubim Rangel
Este ano completará 80 anos de vida. O que aprendeu de mais interessante em toda a sua vida? O que faz com que a sua vida seja bela e boa?
O segredo é simples: constante exercício físico e intelectual, muito estudo, alimentação e bebida regradas. E, a partir da reforma, ter apenas funções não executivas fazendo coisas que gosto, como ensinar economia e gestão aos engenheiros e fazer consultoria em projetos de investigação e desenvolvimento tecnológico.
Dissertou, na sua tese de mestrado, sobre "o consumo de energia no sector automóvel em Portugal". Sendo este sector dos mais importantes na Economia Portuguesa, registando crescimento e maior volume de negócios, enfrenta uma crise europeia que pode levar a despedimentos e encerramentos. Como enfrentar esse desafio e evitar que suceda?
A União Europeia com o seu fundamentalismo climático quis que, a partir de 2035, apenas se vendessem na Europa veículos elétricos. Sem ter uma política industrial que apoiasse a produção dos mesmos na Europa, abriu o nosso mercado à entrada maciça dos veículos chineses e agora o mal está feito, indo gerar uma crise gravíssima num sector que empregava cerca de 13 milhões de pessoas.
Pode explicar-nos claramente qual o problema da Energia em Portugal, de não ser competitiva com a de Espanha, e dos contornos que fizeram despoletar este “apagão” ibérico? O que não nos está a ser contado?
Quando estabelecemos com Espanha o Mercado Ibérico da Eletricidade (MIBEL), tal implicou que as centrais portuguesas de energia elétrica iam competir com as espanholas no fornecimento de energia elétrica à Península Ibérica. Nas horas em que importamos de Espanha tal significa que essas importações são mais baratas que os custos variáveis das centrais portuguesas, que ficam então paradas. Isto faz sentido em termos económicos mas como pode haver problemas na rede espanhola e ela ter de se desligar da rede portuguesa, interrompendo as interligações entre os dois países, Portugal tem de estar preparado para que as nossas centrais, em que algumas delas estavam paradas pelas razões económicas referidas, tenham capacidade de resposta rápida e assegurem rapidamente o fornecimento de energia elétrica a Portugal, coisa que não aconteceu no recente “apagão” que se prolongou por tempo excessivo.
Importamos energia de Espanha por ser mais económica. O que é melhor ou mal menor: produzirmos energia própria ou o consumidor pagar menos?
Em Portugal, temos de ter mais centrais com o sistema de «black start», que permita o arranque rápido no caso de não haver tensão na rede. Tínhamos apenas duas e temos de ter mais com distribuição equilibrada ao longo do país.
Aliás, no dia seguinte ao “apagão”, tivemos eletricidade apenas Portuguesa, segundo informou o Governo, cujos partidos à Esquerda criticaram. Como fundamenta isso?
A partir do “apagão” e por razões compreensíveis de prudência, até que o apagão esteja completamente esclarecido, deixámos de importar de Espanha mas a interligação foi restabelecida.
O problema não é de agora, já vem de outros governos, sejam do PSD ou PS. Como era no período em que foi ministro da Indústria e da Energia, fazendo o paralelismo com a atualidade? O que, no seu entender, tem mesmo de ser feito/ resolvido para não voltar a acontecer?
Como ministro da Industria e Energia, e ainda não havendo o MIBEL, fiz um contrato com França em que importávamos em permanência 300 MW de energia nuclear francesa e lancei a primeira central de ciclo combinado a gás natural na Tapada do Outeiro, a qual está equipada com o «black start» e é uma central fundamental para o «backup» térmico ao funcionamento das eólicas e fotovoltaicas, quando não há sol nem vento. Esta central foi sincronizada com o projeto de gás natural que introduzi em Portugal.
Considera que parte da solução, ou desta situação, se prende com a REN e a EDP serem privatizadas? Ou o que entende ser ideal: preferiria que se mantivessem nacionalizadas?
Também iniciei o processo de liberalização do sector energético em Portugal, comecei a desverticalização da EDP com a criação da REN, fiz o Decreto-Lei que apoiou o começo das renováveis em Portugal, acabando com o monopólio da EDP na produção de eletricidade, e criei a ERSE como entidade reguladora na energia, tendo sido a primeira a ser criada como regulador independente do Governo. Isso da EDP e REN serem públicas ou privadas é, a meu ver, uma falsa questão, até porque a E-REDES (do grupo EDP) e a REN são reguladas pela ERSE que eu tinha criado. As duas são monopólios naturais nos domínios da distribuição e do transporte de energia e, por isso, devem ser reguladas. A verdadeira questão é o país poder ter capacidade de resposta rápida e conseguir funcionar sem a ligação a Espanha.
O Governo Espanhol abriu um inquérito e investigação para apurar os factos reais que estiveram na origem do problema, até para se contrariar as contrainformações e conspirações que se têm disseminado. Apoia a tese de ataque cibernético? Se sim, por que razão Portugal foi também alvo?
Chamo à atenção que o incidente em Espanha já se repetiu, poderá continuar a repetir-se e poderá até ser mais provável se o governo espanhol insistir no disparate de fechar as centrais nucleares em Espanha, tornando o sistema espanhol mais instável e mais dependente ainda das renováveis intermitentes. Aguardemos o resultado dos inquéritos e relatórios sobre o “apagão”, mas não me parece que tenha sido um ataque cibernético.
Em jan. 2022 as sondagens não davam maioria absoluta ao PS, que a obteve. Nem os socialistas acreditavam! Agora, todas as sondagens apontam vitória distanciada da AD. Serão as sondagens mais fiáveis ou não? Confia nelas?
As sondagens são falíveis e não podem dar certezas absolutas. Mas face às tendências reveladas, o ideal, na minha preferência, seria haver uma maioria absoluta com a AD e a IL, que poderiam assim formar uma coligação e assegurar ao país um governo estável e reformista que permita fazer as reformas que o pais necessita, depois de oito anos de completo impasse reformista dos governos Costa.
Qual e/ou quais as características do Papa Francisco que mais o marcaram e porquê? E face ao legado deixado e situação atual da Igreja Universal, que marca de continuidade deverá haver no próximo Pontificado?
Francisco foi o primeiro Papa da América Latina, terminando assim com uma visão eurocêntrica da Igreja Católica que assim foi mais aberta ao Mundo. Do ponto de vista político, era, para mim, demasiado à esquerda, sofrendo por vezes o contágio da teologia da libertação latino-americana. Não condenou violações claríssimas do direito internacional, como a agressão russa à Ucrânia. E, na minha opinião, estava errado quando dizia que tínhamos uma globalização que mata. Pois, pelo contrário, a globalização permitiu tirar da pobreza milhões de seres humanos!
As relações cada vez mais virtuais, e menos pessoais, fazem aumentar a insegurança, a criminalidade, a pobreza, a corrupção e outros jogos de interesses e poderes. Como contrariar isso com as nossas prisões lotadas, com mais tráficos disto e daquilo, com o custo de vida elevado, com as pessoas mais vulneráveis e, por isso, mais manipuláveis, etc.?
Tínhamos no governo Costa uma imigração totalmente desregulada, que só iria aumentar e agravar os problemas que cita e, por isso, compreendo perfeitamente a política do governo da AD para uma regulação equilibrada dessa imigração.
Presidiu, há uns anos, a um grande banco privado, que entretanto sofreu igualmente mudanças. Como vê e analisa a Banca em Portugal e todo esse processo emaranhado do BES/ Novo Banco, sem que muitos dos seus lesados não fossem ainda ressarcidos?
A Banca em Portugal está mais sólida e preparada para os desafios. Essa história dos lesados do BES está mal contada, pois o dinheiro de todos os depositantes foi acautelado, não tendo os depositantes perdido as suas poupanças. Quem não foi ressarcido foram aqueles que investiram em produtos de risco em que, como o nome indica, há sempre o risco de perderem o capital investido. São esses os chamados lesados do BES, vítimas da sua iliteracia financeira e duma atuação pouco escrupulosa, no sentido em que não lhes terá sido explicado o risco que corriam ao subscrever tais produtos. Felizmente, a regulação bancária está, nesta matéria, muito mais apertada para que estes tristes e lamentáveis casos não se voltem a repetir.
É professor catedrático convidado do IST. O que prioriza nos ensinamentos prestados aos seus alunos? E, dessas matérias/conteúdos, o que é fundamental que o cidadão comum também aprenda e saiba aplicar?
Atualmente, ensino no Instituto de Formação Avançada do IST nos programas de pós-graduação para Engenheiros, dando cursos de Economia para Engenheiros, Gestão para Engenheiros e Estratégia Empresarial para Engenheiros. Os Engenheiros, quando chegam à vida profissional nas empresas, reconhecem o interesse de completar a sua formação técnica com conhecimentos nas áreas da Economia e Gestão. E é essa lacuna que tento preencher.
A par da docência era administrador executivo da Sociedade Portuguesa da Inovação. De que forma é que ela tem contribuído para um Portugal mais inovador?
Já abandonei a SPI há sete anos, sendo atualmente consultor da FNWAY CONSULTING, onde apoio as empresas a candidatarem-se a programas financiados por fundos comunitários nos domínios da Investigação, Desenvolvimento Tecnológico e Inovação, Descarbonização e Eficiência Energética.
Sendo este jornal de Gondomar, o que nos pode descrever daquilo que conhece desta cidade e da realidade da mesma quanto ao sector energético e industrial, com empresas próprias na área, e seus resultados?
Gondomar está numa das regiões do país mais dinâmica em termos empresariais. E as empresas e famílias devem também apostar na produção própria e descentralizada da energia para o seu autoconsumo.
Que mensagem final pode deixar aos nossos leitores, servindo de incentivo a enfrentarem melhor as adversidades tanto presentes como futuras? O que está nas nossas mãos bem-fazer sempre?
Portugal tem um sério desafio de competitividade para o qual se tem de preparar, apostando na qualificação profissional e na Inovação e aumento de produtividade a nível empresarial. Deixo uma mensagem de confiança no futuro, desde que saibamos apostar no que acabei de referir.