“[redes sociais] O bem que tem feito à sociedade está a ser suplantado pelo mal que a mesma tem causado”
Texto: ANDRÉ RUBIM RANGEL, jornalista
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Sentes-te um luso-brasileiro por igual, ou pesa mais em ti uma nacionalidade do que a outra e porquê? Como analisas a situação do Brasil atual?
Eu sinto-me muito bem em ser um luso-brasileiro, não vejo nenhum tipo de problema, pelo contrário. Tal como tantos outros milhares de cidadãos, que têm esta mesma dupla nacionalidade, não há uma que seja melhor que a outra. Acho que as duas têm benefícios da mesma forma, não vejo nada de diferente. Quanto à situação do Brasil, nesse momento e falando em questões políticas, é natural que não fiquemos cem por cento felizes. Infelizmente, temos visto alguns problemas não só na área económica, mas também na segurança, na saúde, na educação, enfim. São problemas recorrentes que o país tem enfrentado ao longo do último século. Acredito sempre que vai melhorar e que os governantes estão, cada vez mais, a trabalhar para que as coisas funcionem. Essa é a nossa crença!
E quanto à imigração cada vez maior dos brasileiros em Portugal e sua integração? Até pela controvérsia gerada sobre as migrações em geral: concordas?
Em relação à migração dos brasileiros em Portugal, isso não é novidade, já vem de há muitos e muitos anos. É evidente que, ultimamente, essa imigração aumentou e acredito que, principalmente, devido à questão da pandemia. Outro factor bem determinante é a questão da própria violência em si. Os imigrantes que vêm são, também, para poder fazer investimentos, para poder residir aqui no país de uma forma mais tranquila e, sobretudo, segura. Relativamente à controvérsia gerada em geral, eu concordo com o que tem acontecido: é preciso haver um controlo e, infelizmente, nos últimos anos entraram milhares de pessoas. A própria AIMA, que hoje é quem trata dessa situação, nem sequer conseguiu analisar o processo de milhares de pessoas que ainda estão por ser analisados, porque não param de entrar bastantes pessoas no país. Portanto, as pessoas para estarem cá têm que, realmente, encontrar-se com a documentação em dia. Acreditamos que as pessoas que imigram vêm por necessidade na sua grande maioria, mas precisam de estar em conformidade com a lei.
Podemos dizer que o auge da tua carreira foi no F.C.Porto, já que no meio está a virtude? Ou seja, representaste antes cinco clubes e depois de dragão ao peito outros cinco clubes…
Sim, podemos dizer que o auge da minha carreira foi no Futebol Clube do Porto (FCP), onde realmente conquistei os títulos mais importantes, assim considerados por todas as pessoas. Embora, também tenha tido boas prestações nos outros clubes por onde passei. Sou grato a todos eles da mesma forma, até porque se não tivesse jogado num determinado clube, naturalmente não teria jogado no outro, porque na sua grande maioria as pessoas analisam aquilo que tu fazes, principalmente no clube anterior, para que possam oferecer-te um contrato. Então, agradeço sempre a todos por tudo e pela oportunidade de ter vestido todas essas camisolas que representei.
E consideras que o teu melhor momento vivido foram os teus dois golos decisivos na Taça UEFA em 2003? E, depois, também pelo FCP, as conquistas da Liga dos Campeões e da Taça Intercontinental, na época seguinte?
Para os adeptos, principalmente do FCP, poderão ser realmente esses golos e essas conquistas referidas, mas para mim, particularmente, o momento mais excecional da minha carreira foi o reconhecimento que recebi por parte dos adeptos depois de um regresso, após uma lesão de ligamentos cruzados que eu tive quando estava ao serviço do FCP. Esse reconhecimento dos adeptos é algo que ficará sempre na minha memória e é, como já disse e na minha modesta opinião, o que mais me marca ao longo da minha carreira.
Eras conhecido pelos adeptos como o «ninja». Como interpretavas e reagias a essa alcunha? Consideras que se adaptava bem a ti?
Sim, eu acho que é uma alcunha que realmente caiu-me bem, principalmente pela forma como jogava, como os adeptos enxergavam que eu, realmente, lutava dentro do campo por todas as bolas. Em todos os momentos, fiz para que a minha equipa tivesse êxito. Esse tipo de alcunha marca, acho eu, principalmente para os adeptos.
Em 2005 foste vendido ao Dínamo de Moscovo por considerada indisciplina no Porto. O que aconteceu realmente? Passados 20 anos, se pudesses corrigir algo nessa altura como seria?
Em 2005 eu saí do FCP, mas essa informação que consta ou que alguém passou, relacionada com disciplina, não é verdade. Naquela altura, a minha questão era pessoal, com o treinador. Passados 20 anos, eu já disse isso numa entrevista. Ou seja, o que aconteceu é que o meu filho ia fazer um ano de idade no dia 1 de janeiro de então. O meu filho nasceu entre o dia 31 de dezembro e o dia 1 de 2004 e, logo a seguir, esteve internado por 17 dias no hospital. Foi um risco muito grande: esteve mais perto da morte do que ter sobrevivido. Por isso, quando ele completou um ano de idade, não só pelo agradecimento a Deus pelo facto de ter o meu filho vivo, eu gostaria muito de comemorar esse primeiro aniversário com ele, juntamente com os familiares. Mas, entretanto, o treinador tinha-me pedido para que voltasse no dia 31 e eu, simplesmente, pedi-lhe que me desse mais um dia e regressaria no primeiro dia do ano. Eu queria passar a passagem do ano, por ser a noite de festas que é, mas por o meu filho ter nascido à meia-noite. Assim é até hoje: comemoramos sempre o aniversário dele à meia-noite, do 31 para 1. Depois, quando cheguei no dia 2, de carro, o treinador disse-me que eu fui indisciplinado, que não fiz o que ele queria. Então, eu falei-lhe que naquela situação, e para mim, não era mais importante um dia de trabalho em que precisei de faltar, face a um filho meu. Não era uma questão de colocar o meu trabalho à frente da minha família, mas era poder ter o respeito do treinador na sua decisão. Assim, respeitei que fosse daquela forma, como ele achava que iria ser, e pedi ao presidente para poder sair do clube.
Quando estiveste na Rússia sempre te sentiste livre e seguro ou viveste algum episódio menos bom que possas aqui recordar? Já que nesse tempo já era Putin o presidente…
Nunca tive nenhum tipo de problema na Rússia, nunca me senti inseguro. Senti-me sempre muito livre e muito bem adaptado à cidade. Moscovo é uma cidade fantástica, não me lembro de nenhum tipo de episódio de algo mau ou menos bom. Nem em relação às questões políticas, pelo contrário. Naquele momento era bem tranquilo, tão tranquilo quanto era Portugal. Senti-me muito bem lá, não só eu como também a minha família.
És um dos poucos futebolistas que representou os considerados “três grandes clubes portugueses”. Pela vivência e experiência tida, como os distingues e os aproximas entre si?
Sim, é um orgulho que tenho na carreira ter tido essa oportunidade. São três camisolas que têm uma história gigantesca no futebol. É claro que, basicamente, o FCP foi o clube no qual eu tive mais sucesso, principalmente a nível internacional, e onde conquistei mais títulos. No Sporting, também conquistei títulos, mas no Benfica não tive, infelizmente, essa oportunidade. Foi um período de tempo muito curto – de cinco a seis meses –,mas fiquei feliz por ter sido lembrado pelo Fernando Santos, pelo Paulo Bento e, naturalmente, pelo próprio José Mourinho, que me levou para o FCP. Por ter tido, aqui, uma boa prestação e mostrado um nível grande de trabalho, esses outros treinadores acreditaram que eu poderia também ajudá-los naquele momento das carreiras e dos clubes que treinavam.
E precisamente os três, nesta temporada, têm enfrentado crises desde o início com maus resultados e mudanças de treinadores. Que projeção fazes para cada um deles e, para ti, qual a solução para os seus problemas?
De facto, nesta temporada, existe uma situação bem atípica que nunca se via, acredita, pelo menos que eu tenha conhecimento no futebol português. Essa troca de treinadores dos três clubes, na primeira metade da época, não é normal. E o treinador anterior ter de sair forçosamente, e entrar um novo, nem sempre fez afastar os maus resultados, mais nuns do que noutros. Contudo, eu acredito realmente que ainda vai haver luta até ao final. Vamos vendo que o Sporting, pelo facto de vir com uma estrutura de campeão do ano passado e ter mantido praticamente todo o seu plantel, faz uma diferença enorme, mesmo para um treinador novo que chega, já que tem uma equipa bem formada e bem montada. Ali, é só colocar, basicamente, o seu estilo de jogo e fazer com que as coisas funcionem. Pelo contrário, no FCP e no Benfica, um novo treinador chegou, sem que a casa de ambos estivesse arrumada, o que dificulta bem mais! Mas com o tempo, as coisas voltarão ao normal, os clubes continuarão a vencer jogos e, depois, logo se vê quem foi mais forte durante a temporada.
No caso do F.C.Porto, consideras vantajosa esta mudança na presidência ao fim de 42 anos? E face aos resultados financeiros da auditoria feita, quando achas que o clube voltará a ter grandes contratações e uma grande equipa?
Mais cedo ou mais tarde, todos nós sabíamos que essa mudança na presidência do clube iria acontecer. Claro que todos nós temos um agradecimento especial e grande ao nosso eterno presidente Pinto da Costa, mas essa mudança ia acabar por acontecer e aconteceu recentemente. O presidente André Villas-Boas também é uma pessoa de ótima referência, em que realmente acreditamos que tem todas as condições para fazer um excelente trabalho à frente do clube. É evidente que, no primeiro momento, todos nós sabemos que a mudança causa algum impacto em vários sectores, dentro do clube e principalmente no futebol, porque é uma mudança de estrutura drástica. É natural que no primeiro ano as coisas possam estar um pouco abaladas, um pouco estremecidas, mas acreditamos que a partir da próxima época as coisas começarão a estabilizar-se dentro do clube e, também, financeiramente. Assim esperamos que voltem ao normal e que o FCP continue a senda das vitórias.
Faleceu, entretanto e de cancro, o considerado presidente dos presidentes do FCP, Jorge Nuno Pinto da Costa. O que te apraz dizer sobre ele?
O Pinto da Costa é o maior dirigente, de todos os tempos, do futebol português! Basta ver o patamar elevadíssimo que ele levou o FCP e elevou-o, à primeira prateleira, no futebol europeu e mundial. Dantes, o FCP era bastante regionalizado e levou-o a um nível extraordinário, mesmo em termos de aumento de adeptos. Isso que ele fez é muito louvável. Acredito que, dificilmente, alguém possa atingir o mesmo patamar. Se isso, porventura, acontecer não retirará o legado do que ele construiu até aqui! A nível pessoal, que tive a oportunidade e a honra de trabalhar com ele, ele foi e sempre será, para mim, o maior dirigente! Além do clube em si, ele também trouxe uma visibilidade turística mais ampla à cidade e à região Norte. Os políticos que passaram nesse período tentaram, mas não conseguiram tanto quanto ele.
Há 15 anos puseste término à tua carreira de 16 anos enquanto jogador profissional de futebol. Do que sentes mais saudades? E por que não continuaste neste desporto, por ex. como treinador?
Realmente, fazem mais de 15 anos que coloquei fim à minha carreira, mas foi uma decisão muito bem pensada e bem planeada, no momento certo. É claro que, às vezes, a saudade vem e não é por desejar voltar, não só por ter gostado de jogar futebol mas também pelos momentos que vivi ao longo desses anos enquanto atleta profissional. Depois, fiquei bem afastado do futebol porque eu queria descansar e limpar a mente do futebol. Apenas olhar o futebol por fora e foi o que aconteceu. Posteriormente, e por convite de alguns amigos e pessoas que estão no futebol, fui entrando novamente no futebol, regressando de outro modo. Hoje, estou completamente envolvido num projeto em que acredito muito e que sei que posso contribuir para melhorar o futebol português, também enquanto dirigente.
Como tem sido a tua experiência de sete meses, e tua visão empresarial, enquanto grande investidor da Associação Desportiva de Fafe? Tem sido aquilo que pretendias e o que esperas no futuro?
Sim. É claro que, no primeiro momento em que assumes um clube, como é o caso da ADF, não é fácil, até porque nós sabemos que nem tudo no clube estava certo, mas também nem tudo estava errado. O clube já vinha tendo cuidados, a segurar-se na Liga 3 e querendo mudar de patamar com algumas dificuldades. Mas o importante é que o Jorge, o presidente de então, trouxe o clube até ali e aceitou que assumíssemos. Temos tido uma forma um pouco diferente de trabalhar, mas acreditamos, naturalmente, que também possa vir a dar os frutos necessários para, no futuro, a ADF possa mudar de patamar para a Liga 2 e, quem sabe, chegar à Primeira Liga, que é o objetivo. Até podermos estar ao mais alto nível, jogando no futebol nacional, sabemos que existe um caminho muito árduo e longo. Ainda precisamos de melhorar muitas coisas no clube, a nível de estruturas, além da vertente desportiva.
Antes, tiveste um projeto análogo com o Varzim Sport Club. O que sucedeu para não ter resultado e apostares assim noutro clube minhoto?
O que se passou no Varzim foi que o conselho Varzinista achou por bem que não fazia sentido, naquele momento, levar aos sócios a votação para que pudesse transformar o clube numa SAD. Foi simplesmente isso. E, a partir desse momento, eles tiveram o direito de manter o clube como sendo deles e continuam a trabalhar da mesma forma.
Olhando ao mundo presente e com tanta maldade que se tem visto entre pessoas, com tanto discurso de ódio na internet, que exercícios, técnicas e estratégias julgas serem fundamentais para combater tudo isso?
Com o que tem acontecido no mundo, com a globalização e essa questão da facilidade que as pessoas têm em se conectarem nas redes sociais, faz com que essa troca de ideias ficasse muito mais fácil, entre pessoas de todos os cantos do mundo. Aí circulam tanto as boas como as más ideias, e elas têm impactos profundos não só numa pequena parte da população. E quando são ideias más, que são difundidas por outras pessoas – que, por vezes, têm algum tipo de vulnerabilidade intelectual –, de alguma forma disseminam esse tipo de situação e faz com que outras pessoas possam sofrer as consequências. É o que temos visto ao longo de muito tempo, essas questões de discursos de ódio e de discriminações étnicas. Isso tem afetado bastante a nossa sociedade e faz com que possamos repensar na possibilidade de termos e debatermos novas ideias, em relação a este tipo de situação, principalmente tratando-se de redes sociais. Ora, o bem que tem feito à sociedade está a ser suplantado pelo mal que a mesma tem causado.
Dada a proximidade de Gondomar ao Porto, o que conheces e destacas deste município? E que sugestões podes deixar ao mesmo?
Relativamente a esta cidade, conheço muito pouco. Tenho amigos que vivem em Gondomar, até pela proximidade do Porto cidade. Quanto a isso não posso falar muito. O que posso falar aos munícipes, e deixar o recado, é que todos acreditamos na cidade onde vivemos e que os seus autarcas possam, cada vez mais, fazer algo não só em relação ao futebol, mas ao desporto em geral. Até por questão social: ela é cada vez mais importante na vida dos jovens, principalmente. Hoje em dia a questão dos telemóveis e da tecnologia tem tirado muitos deles da atividade física. Se trabalharmos nesta área social teremos, possivelmente, cidadãos melhores dentro da cidade.
Celebrarás, este ano, meio século de vida. É uma idade especial, como esperas viver este aniversário e o que fazer nele de modo distinto e peculiar?
Com certeza, no meu próximo aniversário e completando 50 anos de vida, a primeira coisa que farei é agradecer a Deus pela vida. Espero que se concretize, ainda faltam alguns meses. (risos). Agradeço-Lhe por tudo o que vivi e me foi oferecido ao longo da vida. Pretendo estar nesse dia, obviamente, com os meus familiares e os meus amigos mais próximos, que estiveram do meu lado em grande parte da minha vida, me ajudaram a chegar até aqui e me formaram como ser humano e como cidadão.
Para terminar, podes deixar-nos uma mensagem motivacional que tenhas aprendido enquanto jogador e tenha marcado para toda a vida?
A mensagem só pode ser de Esperança! Há que acreditar que o dia de amanhã será muito melhor do que o dia de hoje. Façamos por isso.