A partir de 2026, a Federação Portuguesa de Atletismo (FPA) pretende implementar uma nova política de cobrança de taxas para os atletas lúdicos, medida que tem gerado controvérsia e que pretende fazer face às despesas que aumentaram ao longo dos últimos anos com a organização de eventos e o desenvolvimento da modalidade.
De acordo com a FPA, a introdução das taxas para atletas lúdicos surge como uma forma de equilibrar o financiamento das suas atividades. A federação justifica que as taxas cobradas aos atletas amadores contribuirão para cobrir custos operacionais, incluindo a organização de eventos, a manutenção de infraestruturas e a promoção do atletismo em todo o país.
"Esta é uma medida necessária para garantir a continuidade das nossas ações, especialmente em um cenário de crescimento da modalidade. As taxas serão ajustadas e têm como objetivo apenas garantir que todos contribuam para a sustentabilidade do desporto", afirmou o presidente da FPA, José Sampaio, em declarações à comunicação social.
A decisão da FPA tem gerado diversas reações entre os atletas lúdicos, muitos dos quais praticam o atletismo como uma atividade de lazer e sem objetivos competitivos. Para alguns, a introdução das taxas poderá tornar o atletismo mais acessível apenas para aqueles com condições financeiras para arcar com os custos adicionais.
José Conceição, atleta gondomarense
Como amador acho mal acrescentar mais um valor até porque a corrida já tem um seguro para todos os participantes. Este projeto já é utilizado noutros países, a minha pergunta será que o valor será mesmo para dar melhores condições aos nossos atletas? O que reparei foi que tanto o presidente como alguns membros tiveram um aumento significativo nos seus vencimentos.
Paulo Costa - GlobalSport
Para Paulo Costa, diretor geral da empresa Globalsport e organizador de provas como a Meia Maratona do Douro ou a Maratona da Europa, entre outras, esta medida é “ilegal” e um “suicídio cultural”.
“Cada euro investido no desporto, diz o Sport England com base em estudos da Universidade de Sheffield Hallam, gera 3,91 euros de retorno social. E no caso das provas de estrada, esse número é frequentemente muito superior, chegando aos 7 euros de impacto social e económico por cada euro investido.
Ignorar este impacto, ou pior, colocar-lhe entraves burocráticos ou taxas injustificadas, na minha opinião é ilegal e inconstitucional, é cuspir na cara de quem trabalha todos os dias para que Portugal se mexa. É cortar as pernas a um movimento que salva vidas, dinamiza economias locais e cria laços sociais onde antes havia apenas rotinas cinzentas.
Num país com a menor taxa de exercício da Europa, atacar as provas de estrada e de trail é um suicídio cultural”.
Com milhares de atletas inscritos nas suas provas, Paulo Costa lembra ainda que “Portugal é, segundo a OMS, o país da UE onde se pratica menos exercício físico. Não somos apenas campeões na saudade e na poesia, mas também, e tristemente, líderes da inércia, do sofá, da espera por diagnósticos que um par de sapatilhas poderia adiar por décadas”.
O empresário lembra ainda que o impacto destas provas vai muito além da saúde, abrangendo também a economia das aldeias, vilas e cidades por onde estas provas passam.
“Provas de Trail Running ou de Estrada, por todo o país, organizadas com paixão, com segurança, alegria e muita animação, são, muitas vezes, o primeiro passo de um cidadão sedentário para uma vida mais ativa.
Mas o impacto das provas de estrada não se mede apenas em batimentos cardíacos por minuto ou em calorias queimadas.
Mede-se em postos de trabalho temporários, em reservas de hotéis esgotadas, em restaurantes cheios de famílias que aproveitam o fim de semana desportivo para descobrir o país. Com aldeias desertificadas que ganham vida ao fim-de-semana, com Vilas envelhecidas que se tornam palco de juventude, com cidades atulhadas de automóveis que viram autênticos parques de saúde pública”.
Carlos Ferreira - EventSport
Outro organizador de provas de atletismo é Carlos Ferreira, da empresa Event Sports, que compreende a necessidade da Federação em se financiar, discordando, contudo, da solução encontrada pelo organismo.
“Todos nós (EventSport) entendemos que existe uma necessidade estrutural por parte da Federação portuguesa de atletismo de se financiar, de angariar verbas para o desenvolvimento da formação de atletas e formação do atletismo. O que não entendemos é a forma como está a querer aplicar uma taxa para quem participa em provas populares de atletismo, independentemente se a pessoa está a competir ou simplesmente a ser uma pessoa ativa e saudável que gosta de participar em corridas como a S. Silvestre, Corrida do Carnaval ou Corrida da Mulher que nada têm a ver com competições da FPA.
Impor o pagamento de uma taxa, ou impor que uma pessoa para correr em corridas populares seja obrigada a ser federada é no mínimo um atentado á liberdade de cada cidadão, poder fazer aquilo que mais gosta, esta medida terá como impacto afastar os muitos atletas populares de uma prática saudável, não só pelo custo acrescido, mas também pela indignação e obrigatoriedade em se federarem, é uma forma imposta que atropela o estado de direito Democrático”.
Carlos Ferreira lembra ainda as promessas feitas pelo atual presidente da FPA durante a campanha eleitoral e critica a falta de disponibilidade do organismo para dialogar com os principais interessados no assunto.
Durante a sua campanha eleitoral para Presidente da Federação Portuguesa de Atletismo, Domingos Castro afirmou por escrito que não iria implementar as taxas aos praticantes de provas de estrada, mas logo pós ter sido eleito, apresentou na 1ª assembleia da FPA, realizada nos Açores, a implementação das taxas a todos os atletas de estrada sem ouvir os praticantes da modalidade ou os clubes e organizadores de provas representados pela APOPA – Associação Portuguesa de Organizadores de Provas de Atletismo, que tem assento na Federação Portuguesa de Atletismo, como associado extraordinário e que existe há 24 anos.
“Ao longo destes últimos tempos temos ouvido falar de diversas formas de aplicar essa taxa, mas nunca vimos um interesse categórico parte da Federação portuguesa de atletismo de se sentar e discutir de ver o melhor modelo do atletismo se financiar, de uma forma séria criar uma estratégia para aumentar os federados, foi e é mais fácil para a FPA aplicar a todos os que querem correr, uma taxa injusta e descabida no seu sentido e valor.
Em resposta às críticas, a FPA garantiu que irá lançar uma campanha de esclarecimento sobre a medida e os valores das taxas ainda este ano, com o objetivo de proporcionar maior transparência à comunidade. A federação promete também avaliar o impacto da medida ao longo de 2026, podendo ajustar as taxas conforme necessário”.
"Queremos ser claros e garantir que a transição seja feita de forma gradual e compreensível para todos os atletas. A nossa intenção não é onerar os praticantes, mas sim criar uma base financeira sólida para o desenvolvimento do atletismo em Portugal", concluiu Domingos Castro.