A tomada de posse do atual executivo camarário deu-se a 23 de outubro e foi a partir daí que Marco Martins e os restantes vereadores tomaram conhecimento de um caso que, o próprio presidente da Câmara considera “estranho”. Em causa estão 4,6 milhões de euros que a Câmara poderá ter que pagar à empresa concessionária do estacionamento pago do Mercado da Areosa – Opção Sublime, SA – para repor o equilíbrio económico financeiro desta, já que a mesma reclama “prejuízos”. A Câmara não se conforma e interpôs, na terça-feira, uma ação ao Tribunal Administrativo, para anular a condenação ao pagamento da indemnização. A autarquia também já fez saber que o Ministério Público vai receber uma participação para analisar os contornos deste caso.
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“É mais um caso muito mal gerido e mal explicado e quanto mais mexemos nele piores contornos tem”. É assim que Marco Martins define ao Vivacidade, o imbróglio com que a Câmara se deparou nestes últimos dias quando descobriu que o Tribunal Arbitral decidiu anular o contrato de concessão com a empresa Opção Sublime SA (do grupo ABB) e condenar a câmara ao pagamento de 4,577 milhões de euros à empresa a título de indemnização. O contrato com a Câmara previa a construção e concessão do parque de estacionamento subterrâneo e, alegadamente, a igual concessão de 250 lugares à superfície.
Já em 2013, a empresa queixou-se que estava a ter “prejuízos” alegando que a "alteração ao regulamento municipal que restringe o pagamento", as isenções previstas para cerca de 20 residentes e a "diminuição do número de lugares disponíveis para estacionamento à superfície" estavam na origem do problema. Segundo a concessionária, deveriam ser 250 e não os atuais 200 lugares disponíveis.
Agora, após a decisão do Tribunal Arbitral, a nova Câmara viu-se obrigada a contestar a deliberação interpondo a ação para tentar anular o pagamento.
[caption id="attachment_2260" align="alignleft" width="300"]“É mais um caso muito mal gerido e mal explicado e quanto mais mexemos nele piores contornos tem”, afirma Marco Martins


O novo executivo descobriu ainda, na semana passada, que a autarquia continuava a pagar uma renda de 3500 euros mensais, do espaço usado, entre 2008 e 2011, para acolher os comerciantes durante as obras no mercado.
O Vivacidade tentou obter uma reação do Grupo Alexandre Barbosa Borges [detentor da Opção Sublime S.A] mas a empresa não se mostrou disponível para prestar declarações.
O presidente da Câmara, Marco Martins, considera “estranho” todo este caso já que até faltam alguns dos documentos de reuniões do executivo anterior. O autarca explicou, em conferência de imprensa, que o executivo “vai estar atento, não só na pesquisa de novos elementos sobre este processo, como na remessa para o Ministério Público” já que considera “estranho” o Tribunal Arbitral tomar, em dois meses, uma “decisão tão complexa, a um mês das eleições autárquicas”. Mas, segundo Marco Martins, há ainda outra questão que por esclarecer. A Câmara [ainda liderada por Valentim Loureiro], mesmo concordando com a decisão do Tribunal, "escreveu ao concessionário dizendo que não fez o pagamento dos 4,6 milhões de euros porque não teve dotação orçamental".
Proposta da reunião extraordinária urgente com voto contra de Maria João Marinho
Apesar do restante executivo ter concordado em interpor com uma ação judicial para o Tribunal Administrativo da decisão do Tribunal Arbitral, neste caso do Mercado da Areosa, Maria João Marinho, vereadora da coligação PSD/CDS não se conformou com a decisão e votou contra a proposta. Ao Vivacidade, explica porquê. “Votei contra a proposta de interposição de ação judicial para o Tribunal Administrativo, tendo em conta que a decisão do Tribunal Arbitral foi unânime na sua decisão, de acordo com o árbitro aprovado por unanimidade em executivo camarário. Ressalvo que foi com o voto favorável do atual vice-presidente, Luís Filipe Araújo e do vereador Rui Quelhas e não entendo o porquê deste procedimento, que pode colocar em questão o pagamento dos vencimentos dos funcionários e demais prestadores de serviços”, afirma a vereadora da oposição.
Maria João Marinho diz mesmo que não se deve “em consciência tomar uma decisão que pode levar a um acréscimo de custos, de muitos milhares de euros, por uma decisão política” já que “o valor atribuído pelo tribunal era o que o custo da obra de empreitada, e o atual executivo ao não sancionar esta decisão, o custo para todos os gondomarenses pode ser deveras penoso”.
Questionada sobre a ausência de coerência do seu voto com os votos dos restantes vereadores da coligação PSD/CDS, Maria João Marinho afirma: “É a liberdade de expressão democrática”.
Orçamento camarário comprometido
Ao Vivacidade, Marco Martins confirma que os 4,6 milhões de euros representam "quase 10% do orçamento da câmara" e que, no caso de a Câmara ter de suportar esse custo, vai "bloquear completamente o município" obrigando a um “reajustamento do orçamento” e a uma “diminuição no investimento” que o atual executivo previa para o concelho.
[gallery size="medium" ids="2259,2258,2257"]O Mercado da Areosa nos dias de hoje
Pouco passava das 14h30 de uma sexta-feira e nem um cliente circulava nos corredores do novo edifício do Mercado da Areosa.
O dia seguinte, sábado, seria o mais rentável para os comerciantes do mercado. O rés-do-chão é o piso da excelência para as vendas e, ainda assim, são apenas quatro os espaços que abrem diariamente – apesar do regulamento obrigar os comerciantes a abrirem o espaço também durante a semana.
No piso 1, Deolinda Moreira, responsável por um café com esplanada, explica ao Vivacidade que “o negócio é péssimo”. “Se me falta algum cliente habitual, eu dou por ela, por isso os clientes dão para contar pelos dedos. Isto morreu ao nascer porque as pessoas abrem os espaços quando querem. Nunca se viu um café fechar às 19h. No palco que seria para eventos, até hoje não vi lá ninguém. Este espaço com esta esplanada era para poder funcionar”, explica revoltada a septuagenária. Apesar de tudo, “há uma certa esperança” para o café, porque o atual presidente da Câmara “prometeu uma remodelação” no mercado.
No espaço ao lado do café, Maria Morais, proprietária da frutaria, espera, ansiosa, com o marido, a entrada de clientes na loja. “A obra que foi feita foi a pior coisa que puderam fazer. Estávamos melhores nos contentores do rés-do-chão do que aqui. Não vem aqui ninguém e estou com ideias de deixar o espaço no final do ano porque não dá para as despesas”, comenta. Quanto ao estacionamento pago, a comerciante lamenta tudo o que foi feito até agora. “O estacionamento pago correu com a freguesia toda! Tinha duas freguesas que vinham durante a semana e deixaram de vir porque foram multadas. Ontem nem um cliente tivemos.”
No ramo das flores, a crise é a mesma. Sónia Silva, florista, de 46 anos diz que diariamente atende “muito poucos clientes”. “Isto piorou. Parece mais um centro comercial do que um mercado. Foi-nos prometido um espaço exterior e para este espaço virão serviços. Nós nunca devíamos ter vindo para aqui. O grande erro do Valentim foi ter feito isto”, lamenta.
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Reconversão e revitalização do Mercado da Areosa “suspensa”
Marco Martins, ainda em campanha eleitoral, prometera para o Mercado da Areosa, uma “reconversão e revitalização” para devolver o comércio ao local. Agora, após a descoberta do caso do estacionamento, o presidente da Câmara explicou ao Vivacidade que esse assunto está “suspenso”. “A nossa ideia era avançar com isso já em 2014. Esta questão não prejudica mas enquanto não houver uma decisão definitiva vamos ter que suspender tudo isso até porque pode o Tribunal decretar o encerramento da praça, que integra a concessão”.