Denominam-se IPSS “as instituições constituídas por iniciativa de particulares, sem finalidade lucrativa, com o propósito de dar expressão organizada ao dever moral de solidariedade e de justiça entre os indivíduos, que não sejam administradas pelo Estado ou por um corpo autárquico”. O objetivo destas instituições é proteger, apoiar e educar cidadãos mais frágeis como crianças, jovens, idosos e famílias que se encontrem em situações de incapacidade a algum nível. Existem milhares de IPSS a nível nacional e cerca de três dezenas em Gondomar. O Vivacidade falou com quatro que, no que respeita à dimensão de instalações e número de trabalhadores, são as principais do concelho. A Associação Social Recreativa Cultural e Bem Fazer Vai Avante, a Santa Casa da Misericórdia Vera Cruz de Gondomar, a Unidade Orgânica de Gondomar da Associação do Porto de Paralisia Cerebral na Villa Urbana de Valbom (APPC) e o Centro Social de Soutelo traçam um retrato daquilo que é o dia-a-dia de uma Instituição Particular de Segurança Social.
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“Comparticipações do Governo não podem ser iguais para aqueles que têm uma reforma de 2.000 ou 300 euros”
O presidente da Associação Social R. C. B. F. Vai Avante, Fernando Duarte, não se conforma. “As comparticipações do Governo não podem ser iguais para aqueles que têm uma reforma de 2.000 ou 3.000 dos que têm uma reforma de 300 a 400 euros”, refere o dirigente associativo. Com sede no lugar de Tardariz, em S. Pedro da Cova, o Vai Avante conta já com 50 anos de história mas formou-se como IPSS, em 1991. Uma instituição juvenil, nas palavras de Fernando Duarte, que é procurada por “aqueles que muitas instituições rejeitam.” Utentes que têm reformas muito pequenas ou salários muito baixos. “A comparticipação do utente é muito baixa mas nós não os mandamos embora”, afirma Fernando Duarte.
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“Estamos com 190 famílias com Rendimento Social de Inserção”, acrescenta. A associação não está em “rutura financeira mas teve alguns problemas”. A diminuição do número de utentes, muitos “devido ao desemprego, por exemplo, levou à diminuição da comparticipação” e Fernando Duarte tenta agora gerir as contas com cerca de 100 euros mensais por cada utente que a Segurança Social comparticipa. Para além da Segurança Social, a IPSS tem ainda outros acordos e recebe também uma verba anual da autarquia. “A autarquia atribui uma verba anual relacionada com o número de utentes, através de um protocolo por volta de 4.000 mil euros por ano”, explica. Mas os apoios têm que “aumentar muito mais”, diz o presidente. Caso contrário a IPSS poderá ficar comprometida e “não conseguir sustentar os seus 83 funcionários”, adverte.
“Houve sempre alguma ciumeira de algumas pessoas da Câmara relativamente à Santa Casa”
A Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Vera Cruz de Gondomar abriu a primeira resposta social protocolada com a Segurança Social, em 1996. A Associação de Fiéis, constituída na Ordem Jurídica Canónica, disponibiliza à comunidade serviços de Apoio Domiciliário, um Centro de Dia, um Centro de Convívio, um Centro Comunitário, um Centro de Acolhimento Temporário, creches e outros Programas de Intervenção Comunitária. Para o provedor José Luís Oliveira, outrora vice-presidente da autarquia, esta IPSS é uma “grande empresa” de Gondomar que “nos últimos anos foi descriminada negativamente pela autarquia.” “Não sabemos as razões mas fizemos três ou quatro pedidos e nem resposta às cartas tivemos”, explica o provedor, referindo-se aos pedidos feitos à Câmara para financiamento para o Centro de Apoio à Família e também para a construção do Centro Social de Fânzeres. Na altura, José Luís Oliveira desempenhava funções de vice-presidente da Câmara de Gondomar mas confessa que “sempre soube separar as águas”. “Na Câmara, por uma questão de princípios, não me metia nos assuntos. É desagradável não termos tido resposta aos quatro ofícios que enviamos. Eu se calhar sei porquê. Houve sempre, na minha opinião, alguma ciumeira de algumas pessoas da Câmara relativamente à Santa Casa. A Santa Casa sempre teve uma credibilidade que poucas instituições têm no concelho e isso às vezes arrelia certas pessoas. Não me quero referir a ninguém mas claro que na Câmara há sempre uma estrutura que manda. Espero que isto possa mudar e só quero um tratamento igual”, explica o provedor da IPSS.
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Quanto à situação financeira da instituição, José Luís Oliveira refere que “neste momento há saúde financeira mas não há dinheiro para esbanjar.” “Isto é tudo controlado ao milímetro”, declara. “O Estado devia comparticipar mais mas o problema é saber onde é que eles vão buscar para poderem comparticipar mais. O país está como está. Nos éramos capazes de fazer muitas mais coisas – e melhor do que o Estado faz, porque estamos mais próximos – e ir mais além mas para isso é preciso vir mais dinheiro e esse vem com o número de utentes que nos acompanha”, explica.
“Há uma questão que nos preocupa muito que é a manutenção do equipamento”
“Apesar da nossa situação financeira não ser fabulosa, não estamos em rutura”, começar por confessar ao Vivacidade Abílio Cunha, presidente da Associação do Porto de Paralisia Cerebral. O Núcleo Regional do Norte da Associação Portuguesa de Paralisia Cerebral nasceu em 1974 mas só em 2005 é que assumiu a designação de Associação do Porto de Paralisia Cerebral, tornando-se uma associação autónoma. Em Gondomar, a IPSS tem a sua atuação com uma Unidade Orgânica que compreende, entre outros serviços, uma Unidade Residencial Definitiva para 32 clientes com paralisia cerebral, um jardim infantil aberto à comunidade [não acolhe apenas crianças com deficiência] com 70 crianças, um ATL para 40 crianças, um Centro de Atividades Ocupacionais para 30 pessoas com deficiência de Gondomar, um Centro Comunitário e uma Cantina Social aberta à comunidade, para 75 refeições diárias. A unidade gondomarense, com 80 trabalhadores, tem também um Centro de Recursos com 15 técnicos terapêuticos e psicólogos que cobrem o concelho do Porto e de Gondomar e que vão às escolas trabalhar com as crianças com deficiência.
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Abílio Cunha considera que a APPC tem “uma situação normal de finanças porque tem havido um cuidado quer da Direção, quer da Comissão Executiva, quer dos vários órgãos de não avançar para grandes projetos sem ter garantida a parte do financiamento”. Financiamento esse que tarda a chegar. “Lamentamos que alguns fundos não cubram outras situações. IPSS como a nossa deveriam poder recorrer a esses financiamentos porque temos um conjunto de investimentos que vão avançar este ano e esses fundos deviam facilitar a concretização e a manutenção dos mesmos. Assim vamos ter que recorrer à banca e suportar mais autofinanciamentos com componentes de juros elevados”, lamenta o presidente da APPC que confessa que há uma questão que o preocupa muito que é “a manutenção do equipamento.” “Isto é muito grande, tem 10 anos e agora é preciso ter uma manutenção quase constante na sua estrutura”, afirma. O presidente pede mais apoios mas está contente com a autarquia. “Naturalmente se me perguntar se estamos satisfeitos, nunca estamos satisfeitos. Mas digamos que a Câmara de Gondomar tem dado um bom contributo e esperamos que continue a dar. Reunimo-nos já com o presidente Marco Martins e o mesmo comprometeu-se a continuar e a aumentar o apoio. Gondomar tem sido um bom parceiro a todos os níveis”, esclarece.
“Está na hora de se virarem um bocadinho mais para o Centro Social de Soutelo”
Com uma centena de funcionários, o Centro Social de Soutelo (CSS), em Rio Tinto, surgiu no pós-25 de Abril, em 1974, e presta atualmente serviços na área educativa [Creche, Pré-Escolar e Centro de Atividades de Tempos Livres 1º, 2º e 3º Ciclos], na área dos idosos e dependentes [Centro de Dia, Centro de Convívio e Serviço de Apoio Domiciliário] e na área da Intervenção Comunitária [Rendimento Social de Inserção, Empresas de Inserção e outros projetos].
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Sandra Felgueiras, presidente da instituição, também não esconde as dificuldades sentidas no CSS. “Os apoios nunca são suficientes”, refere. “Já não o eram há uns anos, ultimamente muito menos. Desde 2008 que não tem havido alteração nos valores que recebemos com os acordos e toda esta crise afetou o Centro também. Os apoios precisavam de ser atualizados. Não temos salários em atraso mas tivemos que fazer alguns ajustes. Temos a sensação que temos que cortar em tudo, poupando em várias áreas. Estamos numa situação de limite mas não ainda de rutura”, explica a dirigente. Sandra Felgueiras tomou posse em janeiro e garante agora que a atual direção está virada para a “sustentabilidade” da IPSS. “Quando no final de 2013 sabíamos que o mandato da anterior direção iria terminar, a lista que agora dirige trabalhou um programa em que um dos eixos é virado para a sustentabilidade da instituição. Cada vez mais temos que depender menos do Estado e arranjar formas de autofinanciamento. Essa será uma das novas apostas desta direção”, conta.
“Da parte da autarquia temos tido sempre uma boa relação mas vamos exigir um bocadinho mais. Sabemos os apoios que vão para outras instituições e achamos que agora está na hora de se virarem um bocadinho mais para o Centro Social de Soutelo”, revela Sandra Felgueiras.
Nova estrutura para as IPSS de Gondomar a caminho?
A rentabilização das IPSS é uma preocupação para Fernando Duarte, presidente do Vai Avante. “Somos uma das maiores IPSS de Gondomar”, afirma. “Penso que temos que nos sentar e criar uma estrutura de IPSS em Gondomar para partilhar trabalho e, se calhar, meios para tornar algumas instituições rentáveis. Às vezes temos listas de espera que outras não têm. Temos que rentabilizar os serviços. Se hoje temos uma boa cozinha que está a fazer 300 almoços e se tem capacidade para fazer 800 porque não havemos de entregar os serviços a essa IPSS? Se temos uma lavandaria que está a rebentar pelas costuras porque não partilhamos serviços? É um trabalho que as IPSS têm que fazer, somos autónomos”, explica o porta-voz da IPSS de S. Pedro da Cova.
Para o dirigente, “as IPSS são sempre meios de resposta” e fazem “mais, melhor e mais barato do que o Estado.” “Um serviço feito pela Câmara Municipal ou feito pela Segurança Social é diferente. Nós trabalhamos melhor e é esse o caminho”, assegura. “É urgente rever as comparticipações para tornar as IPSS sustentáveis”, insiste. “Neste momento, aqui em S. Pedro da Cova, nós somos uma pequena empresa que acolhe 90 e tal trabalhadores. Um encerramento desta casa iria criar um caos”, alerta Fernando Duarte. A estrutura permitiria, segundo o líder da IPSS, uma maior interação entre todas as instituições deste tipo no concelho e o assunto vai ser levado para discussão ao presidente da Câmara, Marco Martins.
A ideia desta nova união não faz muito sentido para José Luís Oliveira, provedor da Santa Casa. “As ligações já existem. Não é preciso criar uma estrutura. As IPSS têm uma ligação direta à Segurança Social e no nosso caso, fazemos parte da União das Misericórdias Portuguesas”, refere. “Se for para melhorar tudo bem mas penso que há situações que só existem para dar protagonismo a meia dúzia de pessoas e na prática depois não resultam. Temos a rede social onde vamos refletindo todos juntos, com alguma regularidade”, acrescenta.
A mesma opinião não é partilhada por Abílio Cunha, presidente da APPC. “Eu sou um adepto ferrenho das parcerias e das uniões e quando elas aparecem com vontade de trabalhar e de representar o setor, a APPC estará interessada em fazer parte dessa união, não só para reivindicar direitos mas também para colaborar. Não existe uma troca de serviços e isso poderia sair desse projeto, por exemplo”, elucida. Ideia que também agrada a Filipa Lameiras, coordenadora dos Serviços Educativos do CSS, apesar de achar que a Rede Social da Câmara Municipal funciona bem.
“A rede social tem funcionado bastante bem, agora claro que a partilha de experiências, dificuldades, articulação de esforços e algumas medidas governamentais que podem sair mais fáceis se nós nos unirmos. Poderia haver mais uma partilha de experiências, talvez sem a mediação da Câmara. É uma ideia interessante”, refere.
Marco Martins, presidente da Câmara Municipal de Gondomar, não se opõe, muito embora ache que a interação entre as IPSS já existe. “As IPSS já interagem através da Rede Social. Se quiserem criar uma outra estrutura é uma decisão delas, não tenho nada contra nem nada a favor. Mas não existe falta de interação”, declara.
Investimentos futuros
Com ou sem interação, cada uma destas IPSS, em Gondomar, sonha com um projeto de alargamento ou melhoramento de infraestruturas para que possam servir melhor o concelho e a população.
No caso do Vai Avante, há um projeto que depende única e exclusivamente da aprovação do executivo da União das Freguesias de Fânzeres e S. Pedro da Cova. “Estamos à espera da cedência das instalações da escola em frente, que está desativada e é propriedade da Junta de freguesia de S. Pedro da Cova, para criar um Centro de Dia para os idosos”, explica Fernando Duarte. Esse centro irá assim juntar-se aos serviços de berçário, creche, infantário, lavandaria social, apoio domiciliário, natação para crianças e centro convívio, que o Vai Avante já dispõe diariamente para 1097 utentes.
A cereja no topo do bolo para a Santa Casa de Gondoamar seria a construção de um lar para idosos, de preferência com vista ao acompanhamento de pessoas com demências como Alzheimer. “É, neste momento, o nosso sonho. Em termos de localização não tínhamos problema”, afirma Paula Mendes, diretora da IPSS. “Temos bastantes pedidos para integração em lar. Uma das situações que notamos muito, nestes últimos tempos, é um acréscimo muito grande do número de demências, sobretudo Alzheimer, e as famílias não conseguem dar conta do caso. As nossas respostas não são suficientes para dar apoio em situações de grave dependência e um lar especializado neste tipo de problemáticas poderá ser um ponto de partida para responder às necessidades atuais da população mais envelhecida. Nós não temos em Gondomar resposta ao nível das demências desse tipo e há poucas a nível nacional”, explica.
Em Rio Tinto, o Centro Social de Soutelo conta já com um espaço para a criação de um Centro Geriátrico. O próximo passo é avançar com o projeto, quando houver financiamento. “Se conseguíssemos que houvesse uma abertura de um programa qualquer para o financiamento da construção de um Centro Geriátrico, que financiasse a 80%...”, sonha Sandra Felgueiras. “Têm-nos cedido alguns espaços mas se quisermos realmente avançar para a construção do Centro temos que contar com um apoio um bocadinho maior do que temos tido até aqui”, acrescenta a presidente, referindo-se ao apoio da Câmara Municipal.
Ao Vivacidade, Marco Martins explica que a Câmara está atenta aos problemas das IPSS do concelho e que o apoio para a área social aumentou para 2014. “Apesar do decréscimo do orçamento, neste ano a área social aumentou um milhão. Podia aumentar dez ou vinte mas o ideal é que não se tivesse que aumentar nenhum”, menciona.
De S. Pedro da Cova a Rio Tinto, as três dezenas de IPSS de Gondomar lutam diariamente para manterem o serviço “solidário” para com as populações.
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