O chocolate do Dubai, a série Adolescência, a violação da jovem em que os suspeitos são influencers do Tik Tok, entre outros vídeos e temas que, atualmente, estão a ser tema nas mais diversas redes sociais e, também, nos meios de comunicação social é o que nos traz a abordar este tema.
A utilização das redes sociais é vista para muitos como um instrumento de trabalho, mas os perigos aliados ao seu uso, cada vez mais, têm sido abordados. A série Adolescência foi o mote para esta preocupação acrescida, trata-se de um jovem de 13 anos que assassina a sua colega, por alegadamente ter sido vítima de bullying nas redes. Face a esta sinalização surgiu um alerta da Polícia de Segurança Pública sobre os emojis utilizados pelos jovens como sinais de aliciamento sexual ou de tráfico de estupefacientes, e o governo britânico tornou obrigatório nas escolas a visualização desta série. Recentemente, o criador das redes Elon Musk lançou uma medida de supervisionamento parental, na utilização das mesmas, em menores de 16 anos.
As diversas medidas estão a ser tomadas e o debate está em cima da mesa. Mas afinal quem são os influencers, que, atualmente, têm poder sobre os jovens? Para que são utilizadas as redes sociais? Serão os pais culpados por esta liberdade?
A psicóloga Cláudia Pires esclarece-nos que: “A utilização das redes sociais ligadas à compra compulsiva, como foi o caso do Chocolate do Dubai, prende-se essencialmente com a necessidade de pertença, especialmente na adolescência. Os jovens querem sentir-se incluídos, fazer parte de algo. Quando um produto viraliza, passa a ter um valor simbólico, ou seja, não é só um chocolate, é “o” chocolate que todos estão a provar. O TikTok acelera este processo. As imagens, os sons, os desafios criam um ciclo viciante e emocionalmente envolvente. A compra torna-se uma resposta automática ao consumismo e ao medo de ficar de fora. Não é este comportamento totalmente novo em relação aos jovens e a sua necessidade de se sentirem incluídos, recordo-me bem da minha adolescência e as modas que surgiam ao momento todos queríamos acompanhar. O que diferencia é a escala de acesso a novos produtos e a necessidade de os demonstrar numa larga escala digital”.
O facto de serem influencers, isto é, pessoas com um nível elevado de seguidores, partilhas e likes, são vistos como modelos a seguir, pois atingem nas redes sociais um patamar difícil de alcançar na visão dos jovens. “Representam um ideal de vida: alguém bem-sucedido, atraente, confiante e socialmente valorizado. Quando um influencer recomenda um produto é visto não só como uma recomendação, mas também como uma validação emocional. “Se ele ou ela usa, então é bom, então serve para mim também.” Esta identificação é particularmente forte em fases do desenvolvimento, como a adolescência, em que a identidade ainda está em construção e há uma maior vulnerabilidade à comparação social”, afirma a psicóloga clínica e da saúde.
As redes sociais são vistas pela comunidade escolar como um meio de comunicação e uma ferramenta de trabalho, contudo os perigos começam a ser mais impactantes e visíveis.
“As redes sociais como meio de comunicação tem coisas boas e coisas más, como tudo, o problema das redes sociais é que as pessoas não estão preparadas para utilizar esse meio. Porque não há um controlo das fontes, quem emite, os tais “influencers”. Não são controlados os valores dessas fontes, a forma de comunicar e o impacto negativo, que supera, na minha ótica, largamente o positivo. O imediatismo que as redes sociais permitem é absolutamente nefasto, incentivando ao instinto e à ponderação, que são coisas absolutamente fundamentais na comunicação”, refere Manuel Monteiro, diretor da Escola Secundária à Beira Douro.
O professor David Freitas, da Escola Secundária de Gondomar, vê que as redes sociais “claramente deviam ter formas de proteção externas visto que, manifestamente, a capacidade que as pessoas têm de controlar o seu uso e de forma eficiente é baixo. Acho que as redes sociais são o catalisador do que vai acontecendo no mundo. Elas por si só não são más nem boas, depende do uso que depois se faz delas. Aqui é que é a grande questão, o uso depende muito da idade de quem o utiliza, pode ser usado de uma forma positiva ou negativa”.
A forma como são vistas as redes sociais e a sua utilização está a mudar, bem como o modo como os adolescentes se relacionam com as mesmas. “Estamos claramente a assistir a uma mudança no modo como os adolescentes se relacionam com as redes. O digital passou de ferramenta de comunicação para um verdadeiro espelho social, onde se projeta aquilo que se deseja ser. Nesta fase da vida, a identidade está ainda em construção e o reconhecimento externo como a quantidade de “likes” e os comentários que pode tornar-se a principal fonte de validação pessoal. Como psicóloga e também como mãe, preocupa-me a forma como estas práticas aceleram o crescimento. Em vez de explorarem livremente quem são, muitas adolescentes sentem que têm de corresponder a um padrão imposto. Isso pode ter consequências na autoestima, na relação com o corpo e até na saúde mental. É fundamental que haja espaço para o erro, para o natural, para o imperfeito e que esse espaço não desapareça por completo do mundo digital”, menciona Cláudia Pires.
A forma como as redes estão a ser vistas e os perigos inerentes são uma preocupação crescente. O controlo parental, muitas vezes descurado, não pela despreocupação dos pais, mas pelo desconhecimento e impotência dos mesmos, é uma das soluções apresentadas para esta problemática. Combate-se por uma educação digital que envolva toda a comunidade.
“A educação tem de envolver todos os agentes. Como há a escolaridade obrigatória, deveria haver um ensino obrigatório para a utilização das redes sociais, principalmente os Encarregados de Educação. Colocaria, em todas as escolas, quando os alunos entrassem no quinto ano. Porque a partir dessa idade é que há problemas com telemóveis. Sugiro uma formação de pais obrigatória. Em que teriam de ter umas horas para trabalhar esta temática. Devia ser uma obrigação como a de colocar o filho na escola, seria meio caminho andado para tal. A proibição dos telemóveis nas escolas não é uma solução. O telemóvel não é negociável, o que é negociável é a forma como se trabalha e se lida com a sua presença. Essa ilusão de tirar o telemóvel eles pedem a outro colega, muda a conta e já está”, refere o diretor Manuel Monteiro e acrescenta “Estas coisas têm de ser explicadas aos Encarregados de Educação porque não são controláveis nem policiáveis. O importante é que as pessoas percebam o que está a acontecer. A única hipótese é fazer entender aos outros quais são os riscos. O mais rapidamente possível tem de haver programas que envolvam todos os decisores que são os utilizadores no imediato e quem os controla. Um programa onde ninguém está dispensado onde obrigatoriamente os pais tenham de estar inscritos. Não há soluções “penso rápido””.
Além deste, o professor David Freitas aponta ainda, mais quatro, como dar o exemplo, responsabilizar as plataformas e dar alternativas aos telemóveis. “A Escola Secundária de Gondomar já promoveu aulas para adultos e, que brevemente, iremos abrir à comunidade, onde os nossos alunos ensinam a quem menos percebe do uso das plataformas, uma iniciativa intergeracional”.
Mas, afinal a partir de que idade é que os jovens deveriam ter acesso ao telemóvel? A resposta é unânime, antes dos 12, nem pensar. Além que aliado ao uso de telemóvel está o acompanhamento parental. Primeiro é necessário o autocontrolo do jovem e à posteriori o controlo parental.
Este desafio das redes sociais tem sido colocado aos jovens, que estão inseridos nas escolas até aos 18 anos, mas também na sociedade. É um desafio que deveria ser encarado pela sociedade e pelos próprios pais. “A escola tem feito o seu trabalho, temos um programa fantástico no que toca às redes sociais, que é um trabalho do Ministério da Educação e da Administração Interna, que é a Escola Segura. Os agentes da Escola Segura têm ações proativas, que se apresentam em contexto de sala de aula para falar sobre as redes sociais, o bullying e outras temáticas associadas”, afirma o Diretor dos Agrupamentos de Escolas Públicas, Filinto Lima.
As ações de sensibilização são feitas de forma presencial nas escolas, nomeadamente no 1º,2º,3º ciclos e Ensino Secundário, com a utilização de métodos expositivos com apresentações subordinadas ao tema “Internet Mais Segura”.
“A realização das ações de sensibilização da Escola Segura são um complemento de informação sobre a problemática da prevenção e segurança em geral destinadas aos agentes da comunidade educativa. Nesta temática concreta, para além dos conselhos ou informação transmitida pela PSP, há um papel fundamental que deve ser desenvolvido e explorado pelas escolas em termos de tecnologias de informação, pelos pais na supervisão do tempo de interação nas redes”, afirma o coordenador MIPP (Modelo Integrado de Policiamento de Proximidade) Inocêncio Gonçalves.
Recentemente, como já afirmado anteriormente, foram referenciados os emoji’s utilizados pelos jovens em algumas questões. “O obejtivo do alerta para estes significados dos emojis prende-se pelo facto de, por vezes, os jovens estarem em diálogo com desconhecidos em chats em plataformas de encontros, ao não saberem quem se encontra do outro lado do ecrã, podem estar a dialogar com alguém mais velho que pretende ganhar a sua confiança e, eventualmente, marcar encontros presenciais e daí os pais e os devam estar atentos a este duplo significado dos emojis, pois podem estar perante uma situação de aliciamento sexual ou para aliciamento para o consumo de drogas”, refere o agente.
Contudo, poderão existir outros emojis com o mesmo significado, que poderão ser identificados mediante o contexto da conversa dos jovens. Esta revelação tem apenas como propósito sensibilizar para o duplo sentido que os emojis podem transmitir. Quanto a molduras penais são determinadas pelo juiz de acordo com a gravidade do caso. O jovem só responde criminalmente a partir dos 16 anos.
Mas afinal como é que os jovens utilizam as redes sociais e como é que vêem este impacto que a sua potencial má utilização está a ter?
Daniel Moura, aluno do Colégio Paulo VI, refere que utiliza as redes sociais como uma forma de comunicar e de entreter, bem como Mariana Rocha, aluna da Escola Secundária de Gondomar.
Quando falamos sobre a influência das redes a resposta é distinta. Daniel Moura vê a questão “da febre do chocolate do dubai” como “uma trend, “é uma estratégia de marketing, que move o publico alvo, crianças e jovens, que são as faixas etárias mais presentes nas redes sociais, tornando mais fácil o seu patrocínio”, não se tendo sentido de todo influenciado. Já Mariana Rocha, relativamente a outras temáticas como as reviews (opiniões sobre determinados produtos) de roupa: “sinto-me influenciada e mais tentada a comprar, até porque posso comprar uma roupa sem ter de a experimentar em loja. Claro que tenho noção que os corpos são diferentes, mas consigo ter a perceção se gosto ou não”. Na questão da violação da jovem pelos influencers do Tik Tok a resposta foi unanime, nenhum deles iria encontrar-se com um “influencer” que não conhecem a não ser pelas redes sociais.
O controlo parental já divide as opiniões. Daniel defende que os jovens deveriam ter um controlo e mais restrições pelo menos até aos 16 anos. Para Mariana tem de haver uma base de confiança, porque os pais conhecem suficientemente bem os filhos para perceberem o que são ou não capazes de fazer através das mesmas.
Contudo, ambos concordam com a utilização das redes sociais desde que seja de forma controlada e que se saiba como utilizar, tendo sempre atenção aos perigos, como burlas e catfishing, por exemplo.
O coordenador do MIPP Inocêncio Gonçalves aconselha os mais jovens na utilização da redes: “a nunca darem os dados pessoais (nome, morada, escola, telefone), não falar com estranhos ou pessoas “alegadamente” famosas, se colocar fotografias na Internet que sejam na companhia de adultos, tapar a camara do PC ou Tablet, não enviar fotografias por chat ou SMS, suspeitar de ofertas aliciantes, ter sentido critico, ter cuidados com os amigos virtuais, definir um tempo limite de utilização de equipamentos eletrónicos e das redes, não partilhar nem comentar conteúdos de cariz violento ou que interfiram com a liberdade e privacidade de outras pessoas. Em caso de suspeita devem avisar os pais e as autoridades”, menciona Inocêncio Gonçalves.
No que toca ao acompanhamento mais presente e psicológico, Cláudia Pires aconselha aos pais e os próprios jovens, “Aos pais diria para estejam presentes e acompanhem. Mesmo quando os filhos dizem que não querem falar, perguntem, escutem, criem momentos de ligação longe dos ecrãs. E não tenham medo de impor limites, os limites também são uma forma de amar. Aos jovens apelo que se lembrem de que não precisam de corresponder a tudo o que veem online. Nem tudo o que brilha nas redes é verdadeiro. A vossa identidade é mais rica e mais bonita do que qualquer filtro. E se estiverem a passar por algo difícil, não fiquem sozinhos. Falar é um ato de coragem. Se sentirem que não conseguem falar com os pais por alguma razão, comuniquem aos pais que precisam da ajuda de um Psicólogo”.