Aos 57 anos, António Sousa Pereira é, desde 27 de junho de 2018, o reitor da Universidade do Porto (UP). Em entrevista ao Vivacidade, o também ex-diretor do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar fala-nos do primeiro ano de mandato, dos objetivos traçados, do futuro da UP e da proximidade e elevado número de alunos do concelho de Gondomar.
Foi, desde 2004, o diretor do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), o que o levou a dar este salto com uma candidatura à liderança da reitoria da UP, em 2018? Em primeiro lugar, porque cheguei ao limite legal de mandatos como diretor do ICBAS, em segundo, porque entre várias novas opções que me foram propostas senti que esta era a mais interessante e desafiante. No entanto, foram 14 anos à frente de uma instituição [ICBAS] e isso fez-me ter vontade de mudar algumas coisas que achava que deviam ser mudadas.
Foi impulsionado por colegas seus e alguns professores para se candidatar a este cargo? Ou acha aquilo que o motivou foi a sua visão crítica sobre a anterior gestão da UP? Eu propus-me interromper o mandato do antigo reitor da Universidade de Porto porque entendi que podia fazer várias coisas de uma forma diferenciadora. Óbvio que não ia concorrer apenas pelo cargo, mas existem coisas que devem ser mudadas e eu sinto que as posso mudar. Tive desde logo um grande apoio de todos, o que me ajudou a candidatar-me.
Teria preferido vencer por uma larga maioria ou apenas por um voto, como veio a acontecer? Sabe melhor ganhar com uma larga maioria. Contudo, no meu caso não foi necessário uma segunda volta porque fui eleito à primeira. Além disso, neste formato eleitoral não existe margem para obter maiorias muito significativas. No entanto, considero que este foi um resultado bastante expressivo.
Qual o balanço que faz acerca do seu primeiro ano de mandato? Bastante positivo. Acho que não serei a melhor pessoa para falar disso, mas o ambiente que se vive hoje dentro da reitoria é muito melhor. Ainda existem muitas coisas a modificar mas só passaram 10 meses desde a minha eleição, por isso, apesar de tudo, neste tempo considero que já se fez muita coisa. Existe mais paz com as entidades representativas da cidade e tudo isto é bastante significante para esta direção.
Perante os objetivos que impôs no primeiro ano, quais foram aqueles que priorizou e o que falta implementar? Considero que os objetivos que impus foram cumpridos. Os objetivos prioritários passaram por melhorar a eficiência dos serviços, acompanhado de uma maior paz dentro da própria reitoria. Mas ainda existem imensas coisas a resolver, desde logo um conjunto de transformações legislativas que tem impactos relevantes na UP e que são tomadas por quem tem esse direito, mas que acabam por ter reflexos significativos. Existem várias coisas em causa. Estamos a trabalhar num conjunto de medidas que estão no domínio fantasioso como, por exemplo, o caso dos alojamentos universitários. Temos de prosseguir esse longo caminho.
Acha que faltava sentido autocrítico à Universidade do Porto? A universidade tem noção das coisas que estão mal, mas as reformas necessitam de dinheiro. Existem financiamentos que não são suficientes para fazer renovações e reformas em certos departamentos. Tenho pessoas prontas para a mudança, temos um plano estratégico, mas não podemos fazer nada porque não temos dinheiro para avançar. Fazer mudanças custa dinheiro, mesmo que obviamente haja depois um lucro a longo prazo. Na realidade, não estamos a fazer investimentos nenhuns, estamos apenas a gerir a crise.
Desde quando a UP não consegue concretizar investimentos? Isto é um ciclo. Existem limitações que vêm do início da intervenção da Troika e têm-se prolongado. Houve um assumir da parte do Governo que não diminuía, mas também não aumentava os investimentos nas Universidades. Na sequência dessa opção temos impactos que estão a atingir resultados alarmantes. O dinheiro não pode cobrir tudo, daí a alteração dos valores das propinas.
Hoje a UP é também uma marca. Acha que esta marca fica apenas por Portugal ou já vão surgindo resultados concretos da aposta na internacionalização? Existe um crescimento no que diz respeito à internacionalização, mas na nossa universidade a lei da internacionalização é algo bastante recente. O objetivo é aumentar cada vez mais o número de estudantes internacionais, sem dúvida. Neste momento atingimos mais o Brasil do que os países da Europa e queremos procurar equilibrar esse rácio nos próximos anos. Atualmente, os estudantes brasileiros representam 56% do universo total de alunos da UP.
Este ano houve um corte no número das vagas. Acredita que essa medida poderá estar relacionada com um posterior aumento da taxa de abandono escolar? A taxa de abandono tem sido uma preocupação de todas as universidades e do Governo. Os estudos apontam que existe uma relação direta entre a taxa de abandono e a não entrada na primeira opção. Esta universidade tem uma procura excecional, por isso se as vagas reduzem, quer dizer que as pessoas acabam por entrar noutra universidade. Em vez de estarmos a dar mais oportunidades aos estudantes de entrar nas suas primeiras opções, estamos a fazer o contrário. Estamos a alimentar a alusão a outras faculdades que conseguem preencher os seus quadros. Os alunos desistem e vão realmente embora. Não sei se é uma tentativa de levar mais alunos para o interior, mas as faculdades privadas também lucram com esta dinâmica.
Portanto, acredita na possibilidade de corrigir esse ‘erro’? Espero que sim. Espero que tenham noção da asneira que fizeram e que corrijam.
Para termos ideia, quantos candidatos ficaram de fora? Recebemos mais de 6800 candidaturas e ficaram de fora mais de 2800 candidatos.
A UP tem, atualmente, três polos universitários [Asprela, Campo Alegre e Centro da Cidade]. A distância entre três polos é uma dificuldade ou proporciona um verdadeiro trabalho em rede? Nós procuramos quebrar estas distâncias geográficas no dia-a-dia. Não é por estarem em polos diferentes que a comunidade universitária não se relaciona. A movimentação é fácil e existem interligações rápidas entre estes polos. Existe mais uma distância mental do que física. Tem de haver multidisciplinariedade, mas obviamente se hoje desenhássemos uma universidade nova, faríamos diferente.
Em termos de alojamento – e essa tem sido uma das grandes dificuldades evocada por vários alunos -, há perspetivas de uma melhoria da oferta? Acho que a oferta tem vindo cada vez mais a aumentar. Mas há um aspeto muito importante: não falta alojamento nas periferias. As pessoas têm uma mente fechada, porque todas as periferias têm boas infraestruturas, por isso faz todo o sentido em procurar lá alojamento e estas têm bons acessos ao centro da cidade. Temos de quebrar este ciclo que é prejudicial para a cidade, porque nós falamos com os estudantes e percebemos que se criou uma onda negativa de não haver alojamento aqui no Porto, o que não corresponde à verdade. Temos vários empreendimentos de alojamento, por exemplo, no Campo 24 de Agosto, na zona do Amial também, que são sítios com bons acessos e perto.
Na sua opinião, que papel devem ter os ex-alunos da UP? Nós queremos preparar-nos para que esses alunos regressem para realizar novas formações e mestrados. Queremos criar o hábito de voltarem à UP para adquirir novas competências e novos conhecimentos.
Há uma grande fatia de alunos que vem de Gondomar para a UP. Tendo isso em conta, o que encontram nesses alunos? Esses alunos são iguais aos outros, evidentemente, não posso fazer uma distinção [risos], mas penso que Gondomar apresenta bastantes sinais de recuperação em relação a um passado recente e existem, realmente, muitos alunos da Escola Secundária de Gondomar, Escola Secundária de Rio Tinto e do Colégio Paulo VI nas nossas faculdades.
Olhamos para Gondomar como uma oportunidade de crescimento. Existe um grande projeto de revitalização da zona do vale de Campanhã e nós queremos crescer, porque temos de nos alargar para outras localizações. Campanhã, bem perto de Gondomar, representa uma ótima oportunidade de crescimento, daqui a uns anos.
Sabemos que tem também uma forte ligação ao concelho de Gondomar, onde reside. É feliz por Gondomar? Sempre vivi em Fânzeres, desde os três anos, e a minha família é de lá. É um concelho muito assimétrico, que cresceu de uma forma descoordenada e desorganizada. Contudo, tem zonas fantásticas que são verdadeiros paraísos.