1– Desde Montesquieu que a separação de poderes na organização dos estados passou a ser regra na ação política dos países. O poder deixou de ser uma imanação divina e um privilégio de herança, e foi confiado aos cidadãos, por força do racionalismo iluminista. Em complemento ao imperativo da norma constitucional, consagraram-se os princípios da Ética Política como denominador da boa decisão da “respublica”.
Foi neste caldo de uma nova cultura política que a Revolução Francesa pôs fim ao despotismo do “ancien régime”, onde uma elite de reis e imperadores se assumia como única legitimária do poder absoluto. Nasceu assim a democracia moderna, tantas vezes vilipendiada ao longo dos últimos dois séculos, mas sobrevivente à maioria das tentativas de neutralização por parte dos inconformados com a vontade popular.
2– Vem este introito histórico-político a propósito da escandaleira da rede de familiares e amigos que o atual governo urdiu para entregar a gestão de gabinetes ministeriais e outros serviços político-administrativos, de molde a que tudo fique num circuito fechado de interesses cruzados. O escândalo atingiu tais proporções que saltou além-fronteiras, enchendo páginas e páginas de jornais de referência, e horas de programas de televisão.
Encurralado no seu próprio labirinto, António Costa e os seus mais próximos têm-se desdobrado em justificações, refugiando-se na necessidade de alterar a lei para acabar com todas as dúvidas. E logo o Presidente da República veio estender-lhe a mão, defendendo que uma pequena alteração legislativa deixará tudo em pratos limpos. E foi tão longe que até elaborou uma proposta de lei para impedir que tais escândalos não cheguem à Presidência da República!
3– Chegamos assim ao grau máximo da demagogia e do populismo. Ou será que o Presidente da República precisa de uma lei que o impeça de desatar a nomear familiares para tudo quanto é lugar no Palácio de Belém? Se não precisa, está então com medo que os seus sucessores possam cair em tal tentação? Mas será que já nem o Chefe do Estado – este ou quem venha a seguir – é capaz de ter um critério de Ética Política no sentido de preservar as boas práticas e dignificar as funções e a instituição máxima da República?
Quanto ao primeiro-ministro, compreende-se que queira fugir ao escaldão que o escândalo lhe causa, e que merece total reprovação de dois terços dos portugueses, segundo as sondagens. Mas sejamos claros: esta matéria não pode ser empurrada para a esfera da lei. Trata-se de decisões do foro da Ética Política, e é neste âmbito que devem ser tratadas. Não é precisa nenhuma lei para impor boas práticas políticas, em nome da Ética da República. Mal vamos quando só a lei pode impedir os governantes de se assumirem como donos do estado…