
Inaugurado a 4 de dezembro de 2012, em Gondomar, o Hospital-Escola da Universidade Fernando Pessoa (HE-UFP) tem hoje, segundo Salvato Trigo, responsável máximo e reitor da Universidade, “três ou quatro vezes mais procura do que tinha há um ano atrás”. Ainda assim, o balanço “podia ser mais positivo” e o reitor não esconde algumas dificuldades que encontrou pelo caminho, como a saída de alguns médicos do hospital, a ausência de desenvolvimentos na criação de um curso de medicina para o equipamento e a inserção da unidade hospitalar no Serviço Nacional de Saúde (SNS).
“Estamos sempre à espera de mais mas o balanço não é negativo. Podia ser mais positivo se de facto não estivéssemos sempre condicionados pelas burocracias que têm a ver com projetos de decisão dos quais estamos à espera de há muito a esta parte”, começa por explicar ao Vivacidade, Salvato Trigo. O reitor refere-se à Unidade de Cuidados Continuados (UCC), existente no terceiro piso do edifício, que está pronta desde janeiro de 2013 mas que permanece fechada “à espera que a Rede Nacional dos Cuidados Continuados possa enviar os pacientes”. Salvato Trigo garante que o acordo com a Administração Regional de Saúde do Norte (ARS-N), necessário para a entrada de funcionamento da UCC, “irá agora ser assinado” e lamenta pela burocracia do processo até porque “não existe nenhuma UCC em Gondomar.” “São aspetos que tem diretamente a ver com circuitos decisórios que obviamente passam sempre por Lisboa e que não podemos controlar. Tive uma reunião com o Secretário de Estado da Saúde que me disse claramente que da sua parte está tudo preparado para podermos assinar o acordo. Para haver um acordo entre o HE e a Rede tem que haver um despacho conjunto entre Secretário de Estado da Saúde, Segurança Social e Finanças. E esse procedimento não estava devidamente afinado”, refere o responsável pelo HE-UFP.
Salvato Trigo confessa ao Vivacidade que o hospital “é gerido com as dificuldades próprias de um hospital que ainda está abaixo do nível desejável para a sustentabilidade do projeto” mas que o “horizonte dessa sustentabilidade é realista.” Em média, 120 pessoas são atendidas diariamente no HE-UFP, no que respeita às consultas externas, número que “ultrapassa de longe as expectativas” do reitor. Nas cirurgias, por sua vez, o valor está “abaixo do expectável”.
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Clínica Protocolada abriu e fechou no mesmo ano
Criada na ótica do atendimento a pacientes por parte dos profissionais do HE-UFP, dentro da unidade hospitalar, o objetivo deste projeto seria, no fundo, criar uma clínica dentro do próprio hospital. O projeto acabou em maio de 2013 e as versões contadas ao Vivacidade, que justificam o seu encerramento são diferentes.
Paulo Amado é ortopedista em Rio Tinto há 25 anos e foi, em tempos, diretor clínico e do bloco operatório do HE-UFP. “Tinha o consultório em Rio Tinto [onde atualmente possui] com um grupo grande de pessoas a trabalhar e é proposta por Salvato Trigo a transferência do consultório para o HE que veio a originar a Clínica Protocolada”, conta o médico. “A experiência não funcionou por uma questão de algumas dificuldades legais, isto é, de não saber como poderia uma clínica funcionar diretamente dentro de um Hospital e por algumas incertezas. Optou-se por encerrar a clínica”, acrescenta Paulo Amado. Salvato Trigo diverge na versão da história. “Dei-lhe [a Paulo Amado] a oportunidade de ser criada dentro do HE a chamada Clínica Protocolada, dirigida por ele, sujeita a regras escritas e assinadas e que nunca foram cumpridas. A questão do encerramento tem a ver com ética. Foi escrito nos documentos que a clínica exigia a todos os profissionais que recomendassem os exames complementares de diagnóstico para o HE e que cirurgias, havendo-as, fossem todas realizadas também no HE. E isto nunca foi cumprido. A Clínica Protocolar era um segundo Hospital dentro do HE”, explica o responsável pela unidade. “Eu não perdoo deslealdades a ninguém, nem falta de ética”, acrescenta Salvato Trigo.
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Paulo Amado, que esteve ligado desde o início à conceção do HE-UFP e impulsionou a construção do CACE (Centro de Anatomia e Cirurgia Experimental), abandona o hospital a 31 de agosto mas elogia o equipamento que considera “fantástico”. Na sua ótica, o médico identifica dois problemas para a unidade: “a ausência de ligação ao SNS e as acessibilidades”. “Sempre fui mais a favor da construção do HE em Rio Tinto porque existem 50 mil pessoas concentradas na área. O Hospital aqui teria metade do tamanho, muito melhores acessibilidades e iria buscar clientes a outras áreas, nomeadamente ao Porto. No fundo, é tomada uma decisão política de se fazer o HE naquela área”, conta ao Vivacidade o ortopedista. “O HE é comercial para todos os efeitos”
Rodrigues de Sousa, é médico cardiologista e responsável pela Clínica de Gondomar, uma das maiores do concelho. Desde a primeira hora, conta, tentou encontrar uma solução que unisse a clínica ao HE-UFP e que servisse as duas unidades. Chegou a reunir-se com Salvato Trigo mas o mesmo rejeitou a proposta de Rodrigues de Sousa. “A nossa filosofia não é comercial, é pedagógica. Não preciso de agentes, nem angariadores para trazer pacientes para o HE-UFP”, afirma Salvato Trigo. “Tenho dores de cabeça com a lógica comercial que me quiseram meter no HE. Estou hoje a apanhar os estilhaços dessa lógica”, acrescenta.
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Na opinião de Rodrigues de Sousa “foi pena que a Câmara não tenha acautelado as clínicas já existentes e ao mesmo tempo feito um protocolo de cooperação. Aquilo que tenho a dizer é que as armas com que lutamos não são as mesmas das do HE. Aquilo que foi dado ao HE, por parte do Município, nunca foi dado a mais ninguém”, esclarece ao Vivacidade. “Tenho pena que não tenhamos feito a união. O HE é comercial para todos os efeitos. Tem que pagar dívidas, salários, investimento, etc. Por mais capa que se lhe queira pôr o HE continua a ser exclusivamente o hospital privado”, adiciona o médico. Hospital de referenciação para Gondomar?
“A um paciente de Gondomar que tenha que recorrer a uma urgência neste momento, fica-lhe mais barato recorrer ao HE do que ao Hospital de Santo António, mesmo recorrendo ao SNS”, elucida Salvato Trigo. Para o dirigente da unidade hospitalar, a ideia é concorrer já este ano a prestador de serviço do SNS. “Relativamente há problemática da referenciação, o que sabemos é que foi publicado um decreto de lei em outubro de 2013 que liberaliza as convenções de prestadores de saúde”, diz o reitor. “A partir de 31 de outubro deste ano, a maioria das convenções esgotará. Até lá, deveria ter sido já publicado o que se pode chamar caderno de encargos para que se possa concorrer. Do nosso lado estamos completamente preparados para que, logo que seja publicado o guião do concurso, possamos apresentar uma proposta do HE para uma convenção de natureza nacional ao SNS e para que possamos depois ser o Hospital de alternativa para Gondomar ao SNS”, refere Salvato.
Para Rodrigues de Sousa, da Clínica de Gondomar, a “inserção do HE no SNS é uma boa tentativa de procurar mais clientes”. Quanto à ideia do hospital de referência, já não lhe parece “nada bem”. “Parecia-me muito bem que fosse o Hospital de S. João, dado os transtornos que tem causado aos gondomarenses. A passagem para o Santo António veio dificultar muito a vida dos gondomarenses”, indica. Curso de Medicina do HE vai acontecer, garante Salvato Trigo
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A criação de um curso de medicina para o Hospital-Escola é um assunto que, desde o início, tem estado na lista dos objetivos de Salvato Trigo. “A existência do ensino privado da medicina é uma inevitabilidade e, se já tivesse acontecido, seria para o país um grande avanço. Porquê? Porque estamos num Estado democrático. O país tem que garantir aos cidadãos liberdade de escolha e não pode condicioná-los a não realizarem os seus sonhos. Não faz nenhum sentido termos hoje mais de 2500 portugueses a estudar medicina fora do país porque o país não cria condições para poder estudar aqui” refere o reitor. O curso de medicina “vai acontecer”. Universidade Fernando Pessoa podia ter sido em Gondomar
Em entrevista ao Vivacidade, Salvato Trigo confessou que “a Universidade Fernando Pessoa não está em Gondomar há 26 anos porque o município na altura não percebeu o projeto.” “Há 26 anos, quando criei a UFP, um dos primeiros concelhos que abordei para o campus da universidade foi o concelho de Gondomar. A UFP poderia ter-se desenvolvido em Gondomar mas o presidente da altura, Aníbal Lira, não percebeu”, conclui.