Com 194 metros de altitude e uma fortaleza natural de penedos, o Monte Crasto é um dos pontos mais elevados de Gondomar e assume-se como ex-líbris do concelho. O terreno foi atribuído à Confraria de Santo Isidoro e Nossa Senhora da Lapa e a propriedade é reconhecida pela Câmara de Gondomar, contudo, com o passar dos anos surgem dúvidas sobre a legitimidade dos proprietários do terreno. O Vivacidade ouviu todos os intervenientes desta história: as autarquias, a Irmandade dona de um terreno semifechado que agora abre ao público e quem acredita que o Crasto nunca pertenceu à Confraria.
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O Monte Crasto, considerado por muitos o ex-líbris da cidade de Gondomar, vai abrir ao público ainda durante o mês de junho, garantia dada ao Vivacidade pelo presidente da Câmara Municipal, Marco Martins. Atual propriedade da Confraria de Santo Isidoro e Nossa Senhora da Lapa, reconhecida pelo município, o terreno nem sempre teve os mesmos donos e de décadas em décadas há quem questione a sua legitimidade. Durante vários anos, o espaço esteve fechado ao público e em alguns locais ficou abandonado. Numa fase em que a Confraria e a Câmara estabeleceram um protocolo para a abertura do espaço ao público e manutenção do mesmo, o Vivacidade foi tentar perceber de quem é afinal o monte e saber um pouco da história do Crasto de Gondomar.
“O Monte Crasto virou uma quinta privada?”
“Aquele património é da freguesia! A Confraria registou tudo no nome deles: a capela, o monte e as casas.” Maria Arminda Neves dos Santos foi professora em Gondomar durante 40 anos e dedicou-se à investigação de S. Cosme. Ao Vivacidade conta como está indignada e revoltada pela situação que considera “errada”. Na sua opinião, o Monte Crasto deveria pertencer à Junta de Freguesia de S. Cosme [atual União de Freguesias de Freguesias de Gondomar (São Cosme), Valbom e Jovim]. A professora aposentada dedica agora parte do seu tempo livre à investigação deste e de outros casos de Gondomar e dispõe de vários documentos que alegadamente suportam a sua teoria. “As memórias paroquiais de 1758 dizem que o terreno pertence à freguesia. Tenho um documento do Arquivo Distrital do Porto que diz que a doação de Salvador Francisco [anterior proprietário do Monte Crasto] foi feita à capela. A parte do terreno que a Confraria diz que é deles foi dada à capela. Eles eram apenas zeladores”, explica.
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Situado em S. Cosme, o Monte Crasto constitui uma fortaleza natural num terreno elevado, com 194 metros de altitude e contornado por penedos sobre os quais assenta a capela de Santo Isidoro. O nome Crasto deriva do latim “castrum”, que significava castelo ou praça.No século XVIII surge a primeira documentação relativa ao Monte Crasto: o auto de doação feito por Salvador Francisco e Maria da Silva à capela de Santo Isidoro. Mais tarde, a Câmara Municipal de Gondomar desfez as dúvidas sobre a propriedade do Monte e reconheceu a Confraria de Santo Isidoro como proprietário do ex-líbris de Gondomar. / Foto: Pedro Santos Ferreira[/caption]
A investigadora gondomarense não consegue perceber os últimos desenvolvimentos da questão, no que diz respeito ao protocolo estabelecido com o município. “A Câmara, por desconhecimento da situação, foi de encontro exatamente ao que a Confraria queria. A Confraria neste momento faz acordos com toda a gente. Todos os acordos são bons desde que o terreno seja deles”, refere Maria Arminda. “Tem pessoas à frente altamente espertalhonas”, acrescenta de seguida e questiona: “O Monte Crasto virou uma quinta privada?”
A professora contou ao Vivacidade que estudou a “história muito antiga do concelho” e que se foi envolvendo na história do Monte Crasto. Afirma também que enviou uma carta à Confraria e que fez inclusive queixa ao recente padre da paróquia, ao executivo de Valentim Loureiro e ao anterior Bispo do Porto, D. Manuel Clemente.
Em resposta à carta a Confraria referiu que “de dezenas em dezenas de anos aparece alguém a questionar a legitimidade” da posse da propriedade mas que a mesma pertence à Confraria. Arminda Santos não concorda. “A parte norte e oeste do monte estava registada como Dízima a Deus – que seria da freguesia – e eles registaram em nome deles. Eles têm direito a zelar. O documento diz que eles são zeladores”, refere. Com o protocolo com a Câmara, a professora diz que os proprietários foram “premiados” porque permanecem com o terreno em nome deles e ainda têm a manutenção gratuita.
Presidente da Junta coloca hipótese futura de ação judicial contra Confraria
“Penso que em tempos remotos, o Monte Crasto deveria ter pertencido ao erário público”, conta ao Vivacidade, José António Macedo, presidente da União de Freguesias de Gondomar (São Cosme), Valbom e Jovim. “Passou depois a privado, não se sabendo bem ao certo como, nem há registos sobre isso. No entanto, a Confraria de Santo Isidoro e Nossa Senhora da Lapa tomou conta daquilo e apropriou-se, através da cobertura do episcopado. Até prova em contrário são os legítimos proprietários”, continua o autarca. José Macedo diz não ter “comprovativo de que aquilo seja da União de Freguesias ou da cidade de Gondomar”. “No entanto andamos a fazer estudos e pesquisas no sentido de provar que aquilo, em determinada altura, passou para privado. Mas não está a ser fácil. Estamos a equacionar a hipótese de no futuro, com base nesses documentos, entrar com uma ação judicial”, remata.
Quanto ao protocolo com a Câmara, o presidente da União é totalmente a favor. “Acho que o Monte Crasto deve estar ao serviço da população e não ao serviço de uma só entidade que se fecha. Já reconheci que esta direção [da Confraria] é diferente mas eventualmente eles também reconhecerão que a razão não está só do lado deles”, afirma.
“A Confraria tem documentos que atestam a nossa autoridade sobre a propriedade dos terrenos”
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Na Confraria há 24 anos, Lúcio Moura já foi tesoureiro e é presidente da irmandade há três anos. No alto da capela recebeu o Vivacidade e reafirmou o direito à propriedade dos terrenos do Monte Crasto. “A Confraria de Santo Isidoro e Nossa Senhora da Lapa tem documentos que atestam a nossa autoridade sobre a propriedade dos terrenos e esses documentos são reconhecidos pela Câmara Municipal de Gondomar”, afirma Lúcio Moura.
Sobre a discussão levantada pela investigadora Maria Arminda, o presidente da Confraria rejeita a polémica. “Já respondemos à carta dessa senhora e nunca mais obtivemos resposta. Estamos disponíveis para prestar os esclarecimentos necessários e a senhora sabe onde nos pode encontrar”, refere.
Sobre a abertura ao público recentemente negociada com o município, Lúcio Moura reconhece a obrigação de zelar pela capela e a necessidade de “dar sangue novo ao Monte Crasto e abrir os portões da Confraria”. “Há cerca de três anos que o Monte Crasto tem estado semi-fechado ao público. Desde que tomei posse procuramos abrir o Monte durante o dia e todos podem entrar, mas a parte de cima só está aberta ao público das 8h às 12h e das 14h às 17h, porque só temos um funcionário em horário laboral”, explica o presidente da Irmandade.
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Com o protocolo assinado com a autarquia o objetivo será abrir o espaço ao público. No entanto, o protocolo só será válido caso o Bispo do Porto aprove os termos acordados entre ambas as partes.
“Temos todo o interesse em avançar com o protocolo. Aliás, tentamos falar com o executivo anterior mas o acordo nunca avançou porque não tínhamos resposta”, diz Lúcio Moura.
Com a ajuda permanente de dois funcionários na manutenção do espaço, o presidente da Confraria espera ver o número de assaltos diminuir. Nos últimos anos têm ocorrido vários atos de vandalismo. O último caso foi um incêndio na Capela de Santo Isidoro.
“Uma das soluções para acabar com o vandalismo no Monte Crasto poderia passar pela contratação de guardas noturnos, mas era uma hipótese muito dispendiosa”, conclui.
“Colocar o Monte Crasto ao serviço da população, independentemente de quem é a propriedade”
“A Câmara reconhece que a propriedade pertence à Confraria”, afirma ao Vivacidade, Marco Martins, presidente do município de Gondomar.
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Questionado sobre a investigação de Maria Arminda, o presidente responde: “Nós já conversamos com a senhora. Havia um processo judicial [particular] com mais de 20 anos. Haveria a hipótese de intentar uma nova ação que podia demorar mais 20 anos. O que nós combinamos com a Confraria foi colocar aquilo ao serviço da população, independentemente de quem é a propriedade. E foi por isso que conseguimos aprovar e levamos à última reunião da Câmara um protocolo, válido por dois anos e renovável, que permite à Câmara usufruir do espaço, abrindo-o à população e em contrapartida colocar lá recursos humanos para limpeza e vigilância”, explica. “A questão não nos vai levar a lado nenhum e o que interessa é que aquilo possa ser usado. É um ex-líbris do concelho, uma referência para Gondomar e achamos por bem fazer este protocolo.
O protocolo será assinado em breve, segundo o presidente, e a abertura ao público será feita ainda durante este mês. O município compromete-se a ter em permanência dois colaboradores no Monte Crasto, como vigilantes e ajudantes na manutenção do espaço. A Câmara pretende organizar para já seis atividades lúdicas no local e o objetivo futuro será “encetar o levantamento e classificação do património natural e arquitetónico do Monte Crasto e espaços envolventes”.