Estivemos à conversa com o Presidente António Castro e com o secretário da direção Emílio Ferreira do Rancho Folclórico da Nossa Senhora da Piedade de Melres, que nos revelaram as particularidades do Rancho, as dificuldades em tempos de pandemia e a cultura no concelho de Gondomar.
Comecemos então pela história da Associação, qual é a génese deste Rancho Folclórico?
Emílio Ferreira: Como todo e qualquer projeto cultural nasce das pessoas, da convivência, do bairrismo. Este lugar de ‘’Moreira ‘’, é um lugar que tem essa especificidade, é unido, tem dinâmicas muito próprias e então este folclore nasceu, exatamente da vontade das pessoas, no convívio, no caráter festivo e também da sua união. Nos anos 80, as pessoas uniram-se e viram a necessidade de construir alguma coisa comum, organizaram-se, sempre em torno do folclore, porque aquilo que nos une são as nossas raízes e à noite estávamos a fazer o primeiro ensaio, de uma forma muito informal trouxeram os seus instrumentos e os trajes dos seus antepassados e foi o primeiro ensaio do nosso rancho. O dia 1 de junho de 1986 é a data referência para nós.
Tínhamos já mais ou menos 45 elementos, não só elementos dançarinos, como também da tocata e da cantata. E, portanto, foi assim de uma forma muito genuína, muito transparente, muito popular que nasceu este projeto que de certa forma resume a cultura, as tradições da nossa terra, do nosso concelho e também que se identifica com aquilo que a Federação Portuguesa de Folclore apelida da área do Douro Litoral.
Este é basicamente um projeto que vai passando de país para filhos, atualmente quantas pessoas integram o vosso Rancho?
António Castro: Normalmente nunca é menos, ou nós não queremos trabalhar com menos de 35 elementos convém ser sempre daí para cima. Já tivemos 47, agora é muito difícil de arranjar elementos tanto para tocar, como para dançar ou cantar, porque não é fácil arranjar cantadores, nem cantadeiras e, assim vamos vivendo conforme as possibilidades e conforme o pessoal que nós temos.
Vocês consideram que conforme os anos passam e com as novas gerações, há o perigo iminente de perder esta arte? Ou com a vossa experiência vocês têm outra opinião?
EF: Essa é uma dificuldade do movimento associativo como um todo. Em geral, é uma dificuldade transversal, não só no desporto ou na música, mas também no folclore, nós sentimos um bocadinho essa dificuldade. Em todo o caso, continuamos a dizer que esta riqueza, esta paixão, passa de família, em família e é um bocado a nossa herança. Queria destacar que a nossa média de idades é uma média baixa e ainda bem, o que contraria um pouco a tendência do Folclore Nacional.
Portanto, há aqui um trabalho fantástico dos órgãos sociais, nomeadamente do Presidente António Castro que está cá já algum tempo e que merece aqui uma medalha, mas é um legado que se deixa às gerações mais recentes, no entanto, a complexidade da vida prática das pessoas, por vezes estorva um pouco a nossa dinâmica.
Num ano atípico como este e já que abordou a questão dos festivais pergunto como tem sido esta temporada que passou e que estamos a passar de momento por causa da pandemia, sendo que a Cultura é um dos setores mais afetado?
EF: Devido ao arrojo do Rancho, nós temos parceiros importantes e nas mais diversas
dimensões, temos aqui uma parceria muito forte é com o Inatel. O Inatel permite-nos nesta altura de confinamento, algumas deslocações a nível da cantata, mas são deslocações muito limitadas relativamente aquilo que são os nossos naipes. Quanto à nossa atividade artística os ensaios, como é óbvio esses estão cancelados. Este tempo de confinamento permite-nos repensar a nossa história, a nossa identidade, permite-nos lançar metas e objetivos para o futuro e permite-nos reforçar de certa forma os nossos laços. Dou um grande elogio ao Presidente da Direção porque é ele que tem feito esse trabalho ao longo destes meses. Desde março há uma grande preocupação da direção, nomeadamente do Presidente em manter todos os componentes unidos, através de telefonemas, de deslocações às casas, com a distribuição, por exemplo, na altura do Natal, distribuímos pelas famílias que constituem o nosso folclore, uma garrafa de vinho do Porto e um bolo-rei, que é uma tradição da nossa casa. Há aqui um esforço para manter todos nesta família e esperemos que este confinamento termine o mais depressa possível, porque há muita fome de convívio, de toque, de ouvido, de música. Portanto, estamos todos aqui à espera de que haja um sinal positivo, para que regressemos aos nossos projetos.
O que é que vos destaca de outro rancho que esteja presente no concelho e no país, qual é a vossa particularidade?
EF:O Folclore tem o seu ADN, em qualquer comunidade o Folclore é quase como um fato que só serve a uma pessoa e, portanto, tem as suas características idiossincráticas. Nós estamos inseridos na grande área do Douro Central, mas mesmo no Douro Litoral cada concelho tem os seus pontos genuínos, por exemplo como nós dançamos aqui o malhão, mais ninguém dança igual a nós e é esta a preocupação que nós temos que é o de recolher com maior pureza, com maior naturalidade aquilo que são os gestos técnicos dos nossos antepassados, como eles dançavam, como eles se trajavam, como eles tocavam e como eles letreavam também as suas músicas. É muito simples. Há já ciência suficientemente evoluída no folclore, mas é muito simples identificar a que região portuguesa pertence através de uma simples dança e, claro que nós aqui em Gondomar temos bons agrupamentos de folclore e há uma preocupação em recuperar as nossas raízes, aliás essa preocupação técnica é transversal a todos, não precisamos de perder muito tempo para dizer que o nosso folclore é genuíno, é nosso e corre-nos nas veias.
E quanto ao vosso futuro?
EF: Relativamente ao nosso futuro, nós temos um sonho, não só o de rejuvenescer esta família, mas temos aqui um projeto muito interessante para o concelho, que era fazer da cultura uma disciplina curricular de escola, nós gostávamos e queríamos dar o nosso contributo. Pretendíamos que as escolas desenvolvessem junto das crianças dos mais diversos ciclos, disciplinas, projetos de cidadania, de cultura onde o folclore fizesse parte. Nós adorávamos ter aqui uma escola de folclore, não só um rancho. É um sonho nosso, que dificilmente podemos concretizá-lo sozinho, precisamos aqui sempre de parceiros. Falta-nos aqui um projeto global que una todo o concelho, estaríamos a salvaguardar o nosso futuro. Portanto, se houvesse aqui um projeto transversal e a Câmara aqui tem essa capacidade e Know-How de chamar as partes para este projeto educativo e de cariz municipal. Julgo que esta iniciativa seria qualquer coisa de inovadora em Portugal a nível da cultura. Também, já agora queremos dizer que em todos os nossos projetos, nomeadamente o projeto da sede que é o nosso rosto, nós queremos elogiar e enfatizar aquilo que tem sido o apoio impecável da Câmara Municipal de Gondomar, ao longo dos diversos mandatos, e também da nossa Junta de Melres que agora é União de Freguesias de Melres e Medas, porque o nosso concelho é muito forte no Movimento Associativo Popular. ▪